quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Chuva (2)


Uma das memórias mais recorrentes da minha infância prende-se com os dias de chuva.
Não sei porquê os dias de chuva dão-me uma sensação de liberdade incomensurável. Sempre que chove apetece-me sair à rua e andar debaixo das gotículas que começam a cair vagarosamente no início e que depois de terem ganho a coragem afirmam-se numa enorme tempestade!
Em criança esta vontade não era reprimida.
Estava na idade em que já podia ter a chave de casa (embora com a promessa solene de que não voltaria a sair depois de chegar das aulas) e em que ainda não haviam todos os meios de comunicação actuais para controlar as criancinhas!
Ou seja, na idade de 7, 8 anos a menina já tinha a sua chavinha para entrar e sair a seu belo proveito sem que a mãe soubesse de alguma coisa (sim porque as promessas têm essa peculiaridade... parece que são mesmo feitas para serem quebradas).
Por isso quando chovia eu começava inicialmente por ir até à varanda da minha casa e olhar para as lezírias verdejantes e a pensar se iria ou não sair... era escusado esperar muito tempo. No fundo eu já o sabia, mas ao mesmo tempo gostava daquele espaço de impasse em que fingia ainda estar a decidir se a promessa iria ser quebrada ou mantida.
Assim que os primeiros odores a terra molhada chegavam às minhas narinas a decisão ficava logo tomada! De chave na mão lá ia eu a andar sem destino e a deixar que a água me inundasse o corpo (na esperança de me conseguir afogar enquanto andava).
A sensação era de que todas as marcas indesejadas do meu corpo desapareciam se bem que apenas momentaneamente.
A sensação de orgulho era, também ela, enorme! As restantes pessoas passavam por mim presas a artefactos com varas e pano das mais variadas cores e eu, apenas uma criança, tinha a liberdade (e quase rebeldia diria mesmo) de caminhar (sob os seus olhares atónitos) completamente molhada, a sentir a chuva a cair-me pelo rosto e com um sorriso de uma ingenuidade da qual hoje sinto saudades!

6 comentários:

Anónimo disse...

Olá linda deixa-me entrar na tua intimidade e acrescentar...saudades só da chuva...e esqueceste de mencionar que a água da chuva se misturava com as lágrimas, a sensação de liberdade tem a ver com a pureza da água, coisa peculiar, capacidades que só existem na água lava-nos o rosto e limpa as impurezas dos poros.
Lava a alma e o corpo.

acrescentaria a musica de Frank Sinatra....cantando á chuva...(não sei istrangero)
gostei do teu texto...aliás perfeita analise de mtas infâncias...diria fiquei cabisbaixo de uma maneira ou de outra toca a todos..felicidade plena não existe.

bjo deste que te idolatra como escritora.

Sandrine disse...

Obrigada pp... deixaste-me agora sem palavras!
Beijo grande

Patrícia Manhão disse...

eh pá....só eu é que não gosto de chuva.....mas quando era pequena por acaso gostava......e adorava as poças de água....a minha mãe é que já não achava tanta piada....

Anónimo disse...

A chuva é de facto poética, numa praia num campo e yada yada ou etc e tal...

excepto quando chegamos a casa e temos uma cave cheia de água e uma "Remo" que não sabe remar a afogar-se.... Tadinha !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

...estes dias já tive 3 vezes essa experiência...

Sandrine disse...

Tadinha da "remo"... daqui a nada com tantos maus tratos nem diz um pio...
;)
O que... ah e tal... tendo em conta os decibéis e tal... prontos... se calhar nem era mau de todo he he he - tou a brincar contigo!!!! :)

Precious disse...

Adoro a chuva, quando estou abrigada e num sítio quentinho. E trovoada então, é fantástico.
Deve ser de ter visto muitos filmes de terror ;)