terça-feira, 29 de julho de 2008

As horas



Passam os dias, passam as horas
e o relógio marca o tempo de sempre
o tempo que já foi e o que virá
nele vemos o futuro que se aproxima
e num tic-tac contínuo deixamos sempre um outro tempo ficar para trás
Na dualidade destes momentos continuamente passados
constantemente presentes
e eternamente a antecipar
vamos vivendo...
vamos tropeçando nos ponteiros dos relógios
arrítmicos, descompassados, fora de tempo
Num mundo de relógios diferentes
cada um marca o seu próprio ritmo
e o barulho torna-se ensurdecedor
Se um relógio pára torna-se enlouquecedor
E se nos fixarmos nos ponteiros sentimo-nos a tremer
É o tic-tac que nos impele, que nos derrete, que nos faz recuar
é o constante movimento que nos leva a querer parar
e é a paragem que nos faz querer mover.
São os tempos em que vivemos
todos eles diferentes
nunca ao mesmo tempo presentes
mas no mesmo relógio confinados.
São os nossos ponteiros, sempre só nossos
na nossa parede pendurados
Nós somos a parede, os retratos e as recordações
um misto interno de emoções
um tic-tac nunca acabado, nem sempre o idealizado
mas o que nos faz ter ambições.
Ambicionamos um mundo melhor
uma vida melhor
uma conta melhor
e no fundo nem percebemos
que tudo se resume a um relógio
que deveria ser acarinhado
que deveríamos aprender a escutar!


Fotografia: No face clock by Lein
(All rights reserved)

sexta-feira, 25 de julho de 2008

E porque não?



Vem e deita-te a meu lado...
... há sempre espaço!



Fotografia: Don't tell me by Jungle Ali
(All rights reserved)

Fernando Pessoa / Álvaro de Campos


“Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
[...]
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
[...]
Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
[...]
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.”

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos
Tabacaria (Excerto)
(Lisboa, 1888-1935)


Fotografia: The confusion of tounges by Deyan Stefanov
(All rights reserved)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Querer


Querendo viver, vive-se
numa correria desenfreada
numa luta desalmada
na própria maneira de ser
Querendo sofrer, sofre-se
limitamo-nos ao presente
limitamo-nos ao que se sente
e não deixamos a mudança aparecer
Querendo querer, quere-se
e anseia-se pela mudança
anseia-se pela esperança
anseia-se por viver!


Fotografia: Dreamspace reloaded 31 by Denis Olivier
(All rights reserved)

terça-feira, 22 de julho de 2008

Calor III


Eu juro que me apetece escrever...
Eu juro que as ideias pululam no meu cérebro como cogumelos...
Eu Juro que não vos quero deixar sem leitura...
mas está tanto calor que até as teclas derretem...


Ps: O Calor I e II foram já usados pela Kruella e aqui a menina não quer ser acusada de plágio...

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Dualidades


Tenho em mim a força de mil Leões... a aguardar pacientemente na sombra
do anonimato a altura ideal para atacar
Possuo em mim a vontade de correr de mil Chitas... a aguardar o momento
em que terão que perseguir o que há a atingir
e nos ombros o peso de mil Elefantes que são o peso que coloco em mim
Encontro-me e desencontro-me nos meandros de uma floresta densa e nunca
antes desbravada porque é a minha
Sinto o fogo que me queima... pensamentos feitos fagulhas que a qualquer
momento atearão o calor do corpo
Tenho impregnado em mim o cheiro da terra molhada, a beleza de uma
cascata e sinto-me quase nada
Tenho em mim o lado animal e humano, o lado selvagem e meigo
e nada fica pelo meio
Nos antípodas dos reinos revejo-me
e por sua culpa me perco...


Fotografia: BW Totem by Roberto Roseano
(All rights reserved)

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Ainda pode descer


"Estive há dez minutos atrás na varanda do meu quinto andar,
a observar a cúpula invisível entre o céu e o enorme lego de betão
e a sentir-me um inquilino passageiro desta pensão de uma estrela
perdida na imensa cidade negra a que damos o nome de universo.
Curiosamente parece que é o único sítio que temos para passar a longa noite que nos espera.
E é aí que eu saio para apanhar a frequência.
Como que a comer um ponto e a cagar um verso.
No meu prisma, a encaixar,
provavelmente no de outros feito um filósofo de merda.
Mas a vida é isso mesmo, um monte de gente a fazer de conta que se entende e ninguém sabe
dizer o que viveu.
Por isso nos pedem que caminhemos alegres para o precipício sem questionar,
porque estaremos sempre longe. Mas longe rapidamente fica perto
e perto rapidamente passa por nós. Eu não quero mandar-te para baixo, mas eu sei que me entendes, tu também tens medo de morrer,
toda a gente tem. Só que normalmente evocamos montes de problemas
para nos convencermos que estamos ocupados a resolver uma situação importante
quando não tem importância nenhuma.
Entretanto o tapete rola
E nós irritamo-nos com a inevitabilidade, e nos nossos sonhos dizemos:
- Torna-me imortal! Torna-me imortal!
Eu não vou aguentar deixar de existir!
E é aí que eu entro para sair da frequência, seduzir-te com os meus sonhos,
Tu não vês como empreendo? E como eu mais um milhão de sonhadores leva com ele muitos braços de outros, acéfalos, na lotaria dos ideais, descrentes, beijando o número do bilhete.
Mas quero dizer-te que a viagem é tua, não quero empurrar-te à força para rua.
Se eu falhar vou passar de deus a carrasco, embalsamado e metido dentro dum frasco,
Para te lembrares da mentira, mas a verdade é que ganhamos sempre."


Manuel Cruz, “Foge foge bandido” – Ainda pode descer



Fotografia: In Hale by Michal Karcz
(All rights reserved)

terça-feira, 15 de julho de 2008

...



Há várias formas de violação. A violação dos Direitos. A violação de confiança. A violação de Privacidade. A Violação Sexual. A violação mental.
Há também várias formas de violentar e muitas delas não têm sequer uma denominação porque ainda não têm sequer uma Carta de Direitos.
Hoje sinto-me violentada. Sinto-me violentada nos sentimentos. Sinto que tenho sido abusada.
Quando somos violentados a pergunta que maioritariamente subsiste depois da "Porquê a mim" é a do simples "Porquê". Porque qualquer forma de violação gratuita nos deixa perplexos, abismados e sem reacção. E é exactamente isso que muitas vezes permite que a violação vá até ao seu término. Somos apanhados de surpresa e ficamos sem reacção. Petrificamos no medo e congelamos as acções.
Hoje sinto que me entraram no coração sem que eu desse para isso permissão e por lá andaram o tempo que lhes apeteceu. Mudaram as coisas de lugar e deixaram tudo em estado de sítio.
Há várias formas de violação e hoje sinto que alguém abusou!

Fotografia: I was once an angel I by Mehmet Turgut
(Todos os Direitos reservados - All rights reserved)

Palavras


É a vida em forma de livro
lida em forma de canção
É um cantar desafinado
ora alegre ora decepcionado
É complicar o que não tem solução
solucionar as coisas só com a razão
É ter páginas soltas e perdidas
e fugir da dor das feridas antigas
É pretender ter esperança no futuro
e esquecer de ter força para sair do fundo
É o constante olhar para o umbigo
só para ter a sensação de abrigo
É sermos mentira
só para manter a esperança viva
É a lágrima que teima em cair
É a dor que teima em doer
são as palavras que teimamos em escrever!


Fotografia: Scientia Potentia by Pendulum Photography
(Todos os Direitos reservados. All rights reserved)

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Deixa estar...


São sonhos construídos
sonhos destruídos
sonhos ainda por sonhar
são as nuvens que não me deixam ver
as emoções que não se deixam sentir
e um eterno fugir
É tentar manter-te aqui
bem perto de mim
e ao ver-te chegar decidir que tenho que partir
e tudo isso faz parte de mim
Sou eu feita castelo construído no céu
sou eu a voar sem voo levantar
sou eu feita pedra amovível
imodificável... estática
sou eu sem mudanças e sem esperanças
sou eu sem conseguir imaginar
É a imaginação feita ferida
a dor feita forma de vida
é a minha estranha forma de estar
São sonhos que deixei de sonhar
formas penosas de pensar
sou eu a dizer "deixa estar..."


Fotografia: Dreamspace Reloaded 29 by Denis Olivier
(Todos os Direitos reservados. All rights reserved)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

People


Algumas são desertos
cheias de vazios e de miragens
um corropiar de paragens
Outras são dilúvios
afogam-me de insultos
inundam-me de safanões
Outras são tornados
mudam tudo de sítio
chegam e abalam tudo
deixando-nos de espanto apenas prostrados
Outras há que são especiais
Fazem-me sentir sempre mais
fazem-me feliz!
E essas são as pessoas que quero junto de mim!


Fotografia: White Veil by Scott Nichol
(Todos os Direitos reservados. All rights reserved)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Fechei...


Fechei os olhos ao Mundo
fechei-os sem amargura e sem rancores
fechei-os sem paixões ou amores
fechei-os porque era isso que me faltava
Fechei os olhos ao Mundo
e nem foi por ser feio
nem pela beleza
fechei-os porque precisava de uma pausa
Fechei os olhos ao Mundo
e deixei-me ficar assim quieta
diria mesmo sossegada
a deixar fluir na mente a imagem do nada
Fechei os olhos ao Mundo
apenas por um momento
apenas por um segundo
só para os poder voltar a abrir!


Fotografia: I was once an angel II by Mehmet Turgut
(Todos os Direitos reservados - All rights reserved)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Voltei quando nem cheguei a partir!


Voltei ainda sem chegar
e sinto que nem cheguei a partir
Trago ainda colado no corpo o sol que me aquece
o sal de um mar que me enlouquece
de tão calma que me faz sentir
Trago preso nos dedos os silêncios de mil dias
trago o cheiro da maresia
trago a sensação da alegria
Voltei quando nem cheguei a partir.