Lembro-me de a ter entrevistado um dia.
Uma mera entrevista. Perguntas seguidas de respostas. O problema nem foi preparar as perguntas. O problema foi quando recebi as respostas. Num ar quase ecléctico. Num ar quase boémio. Num ar ar de quem nem queria saber. Com o seu próprio ar, como quem nem precisa de respirar.
"Se eu já verdadeiramente me apaixonei? Oh filho... e fiz lá eu outra coisa na vida? Descobri, sem ter precisado de ir ao médico sequer, que afinal não tenho outros órgãos que não o coração. Apaixonei-me tantas vezes que houve alturas em que desconfiei mesmo ter perdido a razão. Apaixonei-me por homens sem escrúpulos e por doutores. Por miúdos com muito mais coluna de que homens adultos. E por adultos que afinal não passaram nunca de miúdos. Homens casados alguns. Olhe viúvos é que não! Apaixonei-me mais vezes do que seria normal e o pior? É que continuam todos guardados no meu coração. Amei-os a todos com o mesmo fervor. A todos com a mesma paixão. A todos com a mesma excitação. Sabe como é estar apaixonada assim? Espero que sim meu filho. Espero que sim. Apaixonei-me, provavelmente, mais vezes do que era realmente preciso. Mas sabe de uma coisa? Na paixão não há medidas. E nunca é demais. Apaixonei-me só pelo olhar. Cheguei mesmo a apaixonar-me sem sequer os conhecer. Apaixonei-me só porque precisava de o fazer. A nenhum deles alguma vez me dei. Mas fui-me dando sempre. Nunca menti e nunca jurei que seria para sempre. Afinal quem o faz chega mesmo a cumprir? Nunca formei família mas é para isso que serve a imaginação.
Apaixonei-me vezes sem conta e alturas houve em que julguei já ter perdido a razão. E sabe que mais meu filho? Descobri que só assim se pode realmente viver."
Aquelas palavras ficaram a tilintar em mim desde então.
Hoje li no jornal o seu obituário. Morreu como gostaria.
Parou-se-lhe o coração.
Fotografia: The confusion of toungues by NuclearSeasons
(All rights reserved)
Uma mera entrevista. Perguntas seguidas de respostas. O problema nem foi preparar as perguntas. O problema foi quando recebi as respostas. Num ar quase ecléctico. Num ar quase boémio. Num ar ar de quem nem queria saber. Com o seu próprio ar, como quem nem precisa de respirar.
"Se eu já verdadeiramente me apaixonei? Oh filho... e fiz lá eu outra coisa na vida? Descobri, sem ter precisado de ir ao médico sequer, que afinal não tenho outros órgãos que não o coração. Apaixonei-me tantas vezes que houve alturas em que desconfiei mesmo ter perdido a razão. Apaixonei-me por homens sem escrúpulos e por doutores. Por miúdos com muito mais coluna de que homens adultos. E por adultos que afinal não passaram nunca de miúdos. Homens casados alguns. Olhe viúvos é que não! Apaixonei-me mais vezes do que seria normal e o pior? É que continuam todos guardados no meu coração. Amei-os a todos com o mesmo fervor. A todos com a mesma paixão. A todos com a mesma excitação. Sabe como é estar apaixonada assim? Espero que sim meu filho. Espero que sim. Apaixonei-me, provavelmente, mais vezes do que era realmente preciso. Mas sabe de uma coisa? Na paixão não há medidas. E nunca é demais. Apaixonei-me só pelo olhar. Cheguei mesmo a apaixonar-me sem sequer os conhecer. Apaixonei-me só porque precisava de o fazer. A nenhum deles alguma vez me dei. Mas fui-me dando sempre. Nunca menti e nunca jurei que seria para sempre. Afinal quem o faz chega mesmo a cumprir? Nunca formei família mas é para isso que serve a imaginação.
Apaixonei-me vezes sem conta e alturas houve em que julguei já ter perdido a razão. E sabe que mais meu filho? Descobri que só assim se pode realmente viver."
Aquelas palavras ficaram a tilintar em mim desde então.
Hoje li no jornal o seu obituário. Morreu como gostaria.
Parou-se-lhe o coração.
Fotografia: The confusion of toungues by NuclearSeasons
(All rights reserved)
3 comentários:
:) Sempre imaginei que teria no futuro um discurso semelhante...
...dava um livro...não?
;)
Pensa nisso...
Beijo
Nikky: Não deixa de ser um discurso bem vivido :)
Chapas: Provavelmente até daria... ;) Beijo
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