sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Amores perdidos


Pousou suavemente o queixo na palma da mão como quem pousa um recém-nascido no berço. A sua mão em forma de concha acolheu carinhosamente o seu queixo. Deixou-se ficar ali. Parada. Imóvel. O seu olhar atirado para lá do vidro do café que alcançava não sei bem o quê. Tentei olhar na mesma direcção para onde o seu olhar se dirigia mas dei por mim incapaz de afastar os olhos dela.
Sozinha na mesa, com as pernas cruzadas e sentada meio de lado, meio de frente encontrava-se iluminada pela sua própria paz. Olhava o mundo que corria que nem louco lá fora, as pessoas a correrem para se abrigarem da chuva que começava a cair, os carros que aos poucos e poucos acendiam as luzes como se de uma árvore de natal global se tratasse e os seus olhos presos àqueles movimentos, presos àquelas pessoas, presos às gotas de água que caiam suavemente. Tudo em harmonia como se de um enorme bailado se tratasse.
Os seus olhos pareciam ser os maestros da música que se ouvia. Os chapéus de chuva que se abriam, as gotas que se suicidavam contra os toldos, o pára e arranca dos carros, uma e outra buzinadela. As vozes mudas das pessoas intercaladas pelos passos apressados.
Foi ali que me apaixonei da maneira mais perdida.
Foi ali que amei da maneira mais sentida.
Foi ali que me entreguei como nunca me entreguei na vida.
Com aquele simples gesto, com aquele simples olhar.
Nunca mais a vi.
Mas guardo, como a um tesouro, o amor que senti.


Fotografia: Rainy day in Amsterdam by Denis Grzetic
(All rights reserved)

shhiuu


Shhiuu..... não digas mais nada...

O silêncio, por vezes, também é bom de se ouvir!


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Medos




Dos fantasmas que nos acompanham apenas pudemos guardar deles o mais valioso a guardar.
Há que colocar os medos de lado, enfrentá-los de frente e acima de tudo não mostrar o medo.
Descobri o que sempre soube. Há demasiados fantasmas na minha vida. Demasiados mesmo. E sempre fugi deles. E quando o medo era aterrador e me petrificava limitava-me a fechar os olhos enquanto tremia de medo apenas ansiando por um abraço que me protegesse, por uma voz que me acalmasse.
Os meus fantasmas perseguem-me por muito que eu evite pensar neles. E não precisa ser de noite e eu estar na cama para vê-los. Basta estar distraída e logo me vêm os piores da estripe. Os que realmente me magoam. Os que me ferem de morte. São estes os fantasmas que eu andei uma vida a evitar e outra a acumular. Os que me acompanham nas noites frias já não me fazem grande diferença, excepto fazerem um bocado de companhia.
São os fantasmas do passado que me magoam. Magoam-me fazendo-me lembrar e magoam-me quando condicionam a minha forma de agir.
Ao longo dos anos tenho sido um bicho-do-mato, mas um bicho feroz. Que ataca muitas vezes antes de ser atacado e que assim perde a possibilidade de ser acarinhado. Que foge quando vêm atrás e que depois, quando desistem desata a correr quando é já tarde de mais. Um bicho que logo à primeira tenta afastar e que só muito dificilmente se dá. Que diz que não quer apenas para não se deixar 'tocar', para não se deixar 'amar'.
Os meus fantasmas perseguem-me e alturas houve em que era eu quem não os deixava partir.
Chegou a altura de os enfrentar, fechar o armário e começar a andar.
Dentro de mim guardo o que é bom de se guardar e uso isso para continuar a caminhar!


Fotografia: Ophelia by Zemotion
(All rights reserved)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Os Meus Pensamentos são Todos Sensações


"Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto.
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz. "

Fernando Pessoa, in "O Guardador de Rebanhos - Poema IX"

Fotografia: StephM3 by Lawrencew
(All rights reserved)

Inspiração


É assim como uma espécie de vulcão em erupção... mas sem entrar em actividade. Quer dizer activo mas sem estar... Naqueles momentos precedentes, onde está tudo latente, onde está tudo quase, onde se encontra na iminência.
É como estar num semáforo parado e sabermos que o verde está quase a cair. O estarmos já a fazer o ponto de embraiagem mas ainda sem arrancar.
O estar à beira do abismo e apenas um passo bastar para marcar a diferença. A diferença entre estar vivo e estar morto.
É nesse limbo que me encontro. Não entre a decisão do ser e não ser. As questões ontológicas nem sempre são as que mais me preocupam. Mas é nesse momento de passagem que eu me encontro. Entre o latente e a erupção. Entre o parado e o arranque. Entre um passo e uma queda vertiginosa.
Sinto-te em mim. Dentro de mim. Sinto-te a ocupar o lugar que é meu. Sinto-te aos poucos a alastrares, a ganhares território, a ganhares velocidade, forma, matéria, peso, volume e ao mesmo tempo sinto que é um processo que ainda não se encontra terminado. Que precisa de acabar para re-começar.
Sinto-te dentro de mim em pequenas ondas de actividade sísmica, em pequenos tremores, em pequenos picos. Degrau a degrau vais subindo as escadas do meu ser e eu impávida deixo-te entrar, deixo-te conquistar, deixo-me quieta à espera do que virá.
Eu sei que mais cedo ou mais tarde o teu processo irá terminar e quando chegar o momento certo, o segundo mais preciso e também o mais precioso sei que aí, nesse exacto momento, irás me dar um qualquer sinal que se irá reflectir numa vontade urgente, emergente, de fazer aquilo que queres que eu faça.
Quando esse momento chegar irei encontrar-me exactamente onde me encontro agora e começarei a escrever as palavras que me começarás a ditar.


Fotografia: Window by Lawrencew
(All Rights reserved)

Red line



Por vezes o que nos parece ser óbvio surpreende-nos...


Fotografia: Thin red line by Lawrencew
(All Rights reserved)

terça-feira, 28 de outubro de 2008

As palavras que hão-de chegar


Amassaram-me o espírito
cansaram-me o corpo
e agora encontro-me assim
Nua de palavras
despida de frases
sem consoantes ou vogais
sem forma de comunicação
sem conseguir chamar-te à atenção
sem conseguir dizer que preciso de ti
Violaram-me e tiraram-me todos os sinónimos
retiraram-me os antónimos
e deixaram-me sem voz
e eu fiquei só
sem te conseguir explicar
que era dos teus braços que estava a precisar
Fiquei sem palavras
fiquei sem conceitos
e no silêncio me deito
à espera das palavras que hão-de chegar.
(02/10/2008)

Fotografia: Suffocate by Deyan Stefanov
(All Rights reserved)

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Uma questão de dias


Há dias em que perguntarem-nos como estamos e ficarem à espera da resposta faz toda a diferença!
Há dias em que a ausência da pergunta faz uma diferença abismal!


Fotografia: Further by UltraViolet
(All rights reserved)

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

E dito isto...



It´s official!
It´s a platonic thing...
Don't worry... after all it can happen with anyone




Fotografia: Emptiness by Duarte Gonçalves
(All rights reserved)

Sinais


Fôssemos todos sinais de trânsito
semáforos de preferência
Onde o Verde é mesmo verde
e percebemos logo à primeira que é para avançar
Onde o amarelo é sempre amarelo
e diz-nos para não arriscar
E onde o vermelho só quer dizer uma coisa
que temos mesmo que parar!


Imagem: Desiree y el semaforo by Marta Altieri
(All rights reserved)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Será?


São pequenas coisas
pequenos andamentos
pequenos movimentos
pequenas diferenças
que fazem a vida valer a pena
Mas as coisas temos que ser nós a encontrar
os andamentos nós a percorrer
os movimentos nós a fazer
para que esse valor lhe consigamos dar
São pequenas coisas
pequenos andamentos
pequenos movimentos
pequenas diferenças
Que nos fazem sonhar!


Fotografia: StephanieAnne Ghosts nº 1 by Scott Nichol
(All rights reserved)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Hábitos


Tive que sorrir para mim mesma...
Não tive mesmo outra hipótese!
Ia-me levantar para me dirigir até à varanda
num gesto mecanicamente memorizado
que pelo hábito foi no próprio corpo gravado
E por isso tive que sorrir
ia naturalmente fumar um cigarro
quando me lembrei que tinha parado!
Há hábitos que o corpo não esquece
por muito que a cabeça o lembre.


Fotografia: Smoking. No by Dmitroza
(All rights reserved)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Aimee Mann



Queria poder estar amanhã no Coliseu dos Recreios a ouvir a Aimee Mann...
Tudo bem que o Dinheiro pode não trazer felicidade...
mas neste momento faz-me uma pessoa muito menos feliz!!!

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Mar


Afastadas as nuvens dou por mim a sorrir por um minuto

sentindo o sol que me aquece o rosto deixo-me ser feliz por um segundo
e de repente tenho saudades do mar
Apetece-me ir à praia... já isolada, já sem ninguém
e deixar-me ficar ali sentada meramente a olhar
meramente a cheirar
meramente a sentir
De preferência que esteja um bocado de frio
mas com o sol ainda a brilhar
para me sentir assim quente
para me sentir assim abrigada
para me sentir assim em paz.


Fotografia: Hispaniola by Michal Karcz
(All rights reserved)

Verbo Sentir


Eu sinto
Tu sentes
Ele sente
Nós sentimos
Vós sentis
Eles sentem

Se é assim tão simples para quê complicar?


Fotografia: When you burn inside by Nuclear Seasons
(All rights reserved)

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Prémio


O Prémio Dardos reconhece o valor de cada blogger ao transmitir valores culturais, éticos, literários ou pessoais e que de alguma forma demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto naquilo que escrevem. Por outro lado, esta é também uma forma de demonstrar carinho e reconhecimento por um trabalho que agregue valor à Web.
Quem recebe o Prémio Dardos e o aceita deve seguir algumas regras:
1. - Exibir a imagem;
2. - Linkar o blog pelo qual recebeu o prémio;
3. - Escolher quinze outros blogs aos quais entregar o Prémio Dardos.


O meu veio da Nikky a quem agradeço. Um Blog a visitar!!! Sem dúvida!
O grande problema, aliás, de ter sido a Nikky a dar-me o prémio é que assim eu não posso atribuir-lhe o prémio!
Quanto aos 15 blogues... bom esta menina não visita assim tantos mas dos que visita os que me parecem ser merecedores deste prémio são os seguintes:

1. Kruella
2. Palavras Consentidas
3. Raios & Corriscos
4. Quotidiano

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Cores


Não é meramente uma questão de conceitos, de nomes, de definições.
É o sabermos que é um reflexo do que somos. Que é uma projecção que acaba por ganhar vida própria e que chega mesmo a escapar-nos muitas vezes.
Sei que não sou um arco-íris e que a minha tonalidade é mais o cinzento.
Mas mesmo dentro do cinzento há diferentes escalas de cores.
Não sou colorida.
Não é uma questão de conceito.
É mais uma questão de quem sou!


Fotografia: Drops IX by Denis Grezetic
(All rights reserved)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Castaway



Que nem náufrago em mar alto vou de vela improvisada
de vela içada a deixar-me levar.
Vou sem leme e sem rumo a esperar por boas marés
a esperar atracar em porto seguro
Que nem naufrago perco por vezes a sensação de solidez
a sensação da terra nos meus pés
a sensação de estar segura
e tal como naufrago vou revendo os reflexos desconhecidos
o desconhecido do meu reflexo
distorcido por pequenos salpicos
Vou sem rota delineada e deixo a minha sorte à sorte
deixo o meu futuro à deriva
e deixo que o vento dite a minha fortuna.


Fotografia: Castaway by Victor de la Torre
(All rights reserved)

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Representações


É uma forma de fazer rir
de fazer chorar
de fazer sentir
É o dar corpo ao incorpóreo
e deixarmo-nos levar pela ilusão
é a catarse a tomar acção
Gostava de assim poder fingir
de assim poder fugir
e de assim me deixar iludir
É uma estranha profissão
esta a de se esquecer do seu ser
para ser uma forma de diversão
É a loucura a roçar o limiar
a verdade a querer se transformar
que se dá quando um homem se propõe a actuar
É o querer fazer rir
é o que querer fazer chorar
é uma forma de estar eternamente a recomeçar
É uma forma de se dar
sem nunca se dar a conhecer
sem nunca saber o que o faz sofrer
sem nunca se saber o que o faz feliz
É uma forma de por todos ser conhecido
por alguns ser reconhecido
e de dar sentido ao que deve ser Sentido!


Fotografia: Their Masks by Nicole
(All rights reserved)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Simplesmente por mim


Há dias em que é simplesmente assim
dou por mim a sorrir de uma forma quase ingénua
de uma forma quase infantil
Como se fosse apenas natural
como se nada houvesse para o impedir
como se fosse o mais normal
Há dias em que sorrio
sorrio apenas
sem destino
sem tino
Há dias em que sorrio para mim
em que sorrio por mim
em que quase me sinto feliz.

Fotografia: With a fist and a smile by Gilad Benari
(All rights reserved)

Rotinas


Todos os dias seguem o mesmo pêndulo de rotação horária. Sigo as horas, os minutos, os segundos por meio de compassos orquestrados por um sempre presente e ciente metrónomo. As manhãs que começam sempre à mesma hora. Sempre no mesmo segundo... o imediatamente antes do despertador levar a cabo a sua função. No segundo exactamente antes de o ouvir. Levanto-me já com o peso do resto do dia nas pernas e com o cansaço da semana já impregnado.
Os passos a seguir seguem uma valsa bem demarcada. Sempre dentro de ritmo, sempre dentro do compasso, sempre dentro do tempo.
O caminho para o trabalho, os gestos efectuados, o agendar as tarefas, o organizar da agenda. Trabalho feito, trabalho arquivado. Novo trabalho e isto numa continuação que parece nunca ter fim. A hora de almoço que chega invariavelmente à mesma hora. A mesma hora praticamente para todos. E que nem rebanho bem mandado seguimos todos em direcção à manjedoura para aconchegar o estômago daquilo que já nem sabemos já saborear. Comer acaba por ser mais uma tarefa agendada e destituímos dessa refeição todo e qualquer prazer.
O fim do dia chega sem surpresas. Sem emoções. Chega porque tinha que chegar. Chega porque o sol segue o seu próprio tempo. Porque as horas sucedem-se e por muito que tentemos ir contra isso nada faz parar esse relógio universal de todos conhecido.
À noite as tarefas não mudam e parece que andamos todos às voltas sem saber muito bem o porquê.
Agora que me encontro deitado (sempre para o mesmo lado)dou por mim sem conseguir adormecer. Desta vez as horas sucedem-se mas eu estou de olhos abertos a ver isso acontecer. Os números vão-se sucedendo no visor electrónico de cores avermelhadas e nas paredes com o mesmo tom vou vendo as palavras que penso impressas numa qualquer matéria que não possui nem forma nem peso.
Amanhã um dia igual me espera.
Amanhã pode ser que adormeça pelo cansaço acumulado de uma noite mal dormida...
Amanhã pode ser que seja um novo dia.


Fotografia: The Architect by Nuclear Seasons
(All rights reserved)