E se na repetição das horas perdermos a visão dos minutos?
sussurras-me ao ouvido o passar dos segundos?
terça-feira, 30 de setembro de 2008
Ainda que Mal
"Ainda que mal pergunte,
ainda que mal respondas;
ainda que mal te entenda,
ainda que mal repitas;
ainda que mal insista,
ainda que mal desculpes;
ainda que mal me exprima,
ainda que mal me julgues;
ainda que mal me mostre,
ainda que mal me vejas;
ainda que mal te encare,
ainda que mal te furtes;
ainda que mal te siga,
ainda que mal te voltes;
ainda que mal te ame,
ainda que mal o saibas;
ainda que mal te agarre,
ainda que mal te mates;
ainda assim te pergunto
e me queimando em teu seio,
me salvo e me dano: amor."
Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'
Fotografia: Never completely free by Rachel Lovitt
(All rights reserved)
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
Mas só por enquanto...
Por enquanto deixo-me ficar assim
que nem peça de decoração
Por enquanto vou-me mantendo assim
em pura reclusão
Por enquanto mas só por enquanto
deixo-me ficar assim quieta
deitada e isolada
por enquanto vou ficando por aqui
até decidir que chegou a altura de partir.
Fotografia: Sahra - Morning Light by Scott Nichol
(All rights reserved)
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Paixões
Lembro-me de a ter entrevistado um dia.
Uma mera entrevista. Perguntas seguidas de respostas. O problema nem foi preparar as perguntas. O problema foi quando recebi as respostas. Num ar quase ecléctico. Num ar quase boémio. Num ar ar de quem nem queria saber. Com o seu próprio ar, como quem nem precisa de respirar.
"Se eu já verdadeiramente me apaixonei? Oh filho... e fiz lá eu outra coisa na vida? Descobri, sem ter precisado de ir ao médico sequer, que afinal não tenho outros órgãos que não o coração. Apaixonei-me tantas vezes que houve alturas em que desconfiei mesmo ter perdido a razão. Apaixonei-me por homens sem escrúpulos e por doutores. Por miúdos com muito mais coluna de que homens adultos. E por adultos que afinal não passaram nunca de miúdos. Homens casados alguns. Olhe viúvos é que não! Apaixonei-me mais vezes do que seria normal e o pior? É que continuam todos guardados no meu coração. Amei-os a todos com o mesmo fervor. A todos com a mesma paixão. A todos com a mesma excitação. Sabe como é estar apaixonada assim? Espero que sim meu filho. Espero que sim. Apaixonei-me, provavelmente, mais vezes do que era realmente preciso. Mas sabe de uma coisa? Na paixão não há medidas. E nunca é demais. Apaixonei-me só pelo olhar. Cheguei mesmo a apaixonar-me sem sequer os conhecer. Apaixonei-me só porque precisava de o fazer. A nenhum deles alguma vez me dei. Mas fui-me dando sempre. Nunca menti e nunca jurei que seria para sempre. Afinal quem o faz chega mesmo a cumprir? Nunca formei família mas é para isso que serve a imaginação.
Apaixonei-me vezes sem conta e alturas houve em que julguei já ter perdido a razão. E sabe que mais meu filho? Descobri que só assim se pode realmente viver."
Aquelas palavras ficaram a tilintar em mim desde então.
Hoje li no jornal o seu obituário. Morreu como gostaria.
Parou-se-lhe o coração.
Fotografia: The confusion of toungues by NuclearSeasons
(All rights reserved)
Uma mera entrevista. Perguntas seguidas de respostas. O problema nem foi preparar as perguntas. O problema foi quando recebi as respostas. Num ar quase ecléctico. Num ar quase boémio. Num ar ar de quem nem queria saber. Com o seu próprio ar, como quem nem precisa de respirar.
"Se eu já verdadeiramente me apaixonei? Oh filho... e fiz lá eu outra coisa na vida? Descobri, sem ter precisado de ir ao médico sequer, que afinal não tenho outros órgãos que não o coração. Apaixonei-me tantas vezes que houve alturas em que desconfiei mesmo ter perdido a razão. Apaixonei-me por homens sem escrúpulos e por doutores. Por miúdos com muito mais coluna de que homens adultos. E por adultos que afinal não passaram nunca de miúdos. Homens casados alguns. Olhe viúvos é que não! Apaixonei-me mais vezes do que seria normal e o pior? É que continuam todos guardados no meu coração. Amei-os a todos com o mesmo fervor. A todos com a mesma paixão. A todos com a mesma excitação. Sabe como é estar apaixonada assim? Espero que sim meu filho. Espero que sim. Apaixonei-me, provavelmente, mais vezes do que era realmente preciso. Mas sabe de uma coisa? Na paixão não há medidas. E nunca é demais. Apaixonei-me só pelo olhar. Cheguei mesmo a apaixonar-me sem sequer os conhecer. Apaixonei-me só porque precisava de o fazer. A nenhum deles alguma vez me dei. Mas fui-me dando sempre. Nunca menti e nunca jurei que seria para sempre. Afinal quem o faz chega mesmo a cumprir? Nunca formei família mas é para isso que serve a imaginação.
Apaixonei-me vezes sem conta e alturas houve em que julguei já ter perdido a razão. E sabe que mais meu filho? Descobri que só assim se pode realmente viver."
Aquelas palavras ficaram a tilintar em mim desde então.
Hoje li no jornal o seu obituário. Morreu como gostaria.
Parou-se-lhe o coração.
Fotografia: The confusion of toungues by NuclearSeasons
(All rights reserved)
Em vão...
Tentou em vão agarrar... mal lhe tocou. Mal a sentiu.
Veio-lhe logo à cabeça as imagens dos filmes de Hollywood. Belas histórias de amor e de guerra onde quando tudo se julgava perdido há uma mão que se consegue agarrar. Há um toque que consegue fazer a diferença. Há uma ideia luminosa que a todos consegue salvar.
Ficou especado no meio da rua. De repente sentiu-se candeeiro. Semáforo. Sinal de trânsito. Sentiu-se enraizado no alcatrão. Sentiu-se parte das riscas da passadeira... sentiu-se pisado, ultrapassado, ignorado.
Tentou em vão agarrar e ali ficou de mão estendida com o olhar preso num lugar qualquer do longínquo vazio. Não conseguia apagar da sua mente as imagens tantas vezes repetidas em filmes e a sensação de impotência porque nem um toque houvera. Não conseguia apagar do corpo a sensação de quase sucesso. Não, não lhe tocara... quanto mais agarrá-la.
Deixou-se ficar parado.
Passaram as pessoas que mais tarde voltaram a passar em sentido contrário. Passaram os carros, primeiro apressados depois de luzes acesas e já mais cansados. Passaram os cães presos pelos donos e por todos ignorados. Passaram as crianças felizes de estarem de novo com os pais e os pais já cansados de estarem novamente com as crianças. Passaram as horas mas não passou a sensação de ter falhado. Não a conseguiu agarrar. Nem a conseguiu tocar.
Recomeçou a andar mas sem conseguir evitar olhar de novo para trás... não a viu.
Resignado aceitou que tinha deixado a sua Esperança escapar!
Veio-lhe logo à cabeça as imagens dos filmes de Hollywood. Belas histórias de amor e de guerra onde quando tudo se julgava perdido há uma mão que se consegue agarrar. Há um toque que consegue fazer a diferença. Há uma ideia luminosa que a todos consegue salvar.
Ficou especado no meio da rua. De repente sentiu-se candeeiro. Semáforo. Sinal de trânsito. Sentiu-se enraizado no alcatrão. Sentiu-se parte das riscas da passadeira... sentiu-se pisado, ultrapassado, ignorado.
Tentou em vão agarrar e ali ficou de mão estendida com o olhar preso num lugar qualquer do longínquo vazio. Não conseguia apagar da sua mente as imagens tantas vezes repetidas em filmes e a sensação de impotência porque nem um toque houvera. Não conseguia apagar do corpo a sensação de quase sucesso. Não, não lhe tocara... quanto mais agarrá-la.
Deixou-se ficar parado.
Passaram as pessoas que mais tarde voltaram a passar em sentido contrário. Passaram os carros, primeiro apressados depois de luzes acesas e já mais cansados. Passaram os cães presos pelos donos e por todos ignorados. Passaram as crianças felizes de estarem de novo com os pais e os pais já cansados de estarem novamente com as crianças. Passaram as horas mas não passou a sensação de ter falhado. Não a conseguiu agarrar. Nem a conseguiu tocar.
Recomeçou a andar mas sem conseguir evitar olhar de novo para trás... não a viu.
Resignado aceitou que tinha deixado a sua Esperança escapar!
Fotografia: Walking down the street by Blindbird
(All rights reserved)
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
...
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Silêncio
E no silêncio encontro mil palavras
encontro definidas mil despedidas
e encontro as suas razões
encontro definidas mil despedidas
e encontro as suas razões
Fotografia: Silence by Winterland
(All rights reserved)
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Hoje sinto os olhos pesados
Hoje sinto os olhos pesados
são as lágrimas que queriam sair que ainda se encontram presas
ou antes congeladas debaixo das pálpebras
como se não tivessem outro sítio para onde ir
Hoje senti as mãos e os braços tremerem de uma forma descontrolada
quase inusitada
quase despropositada
Numa escala, a existir, de tremores atingi a escala máxima
e deixei-me ficar a tremer
Quem me visse pensaria que os meus braços e mãos nada mais eram do que folhas presas em ramos frágeis a serem fustigados pelo vento
Hoje senti todos os meus nervos à flor da pele
e sinto ainda a pele dorida de tamanha colisão
Hoje apetecia-me ser por todos considerada louca
puder gritar e esbracejar
quiçá mesmo saltar aos gritos
Apetecia-me que fosse considerado normal e fosse reconhecido
gostava que viessem os senhores da bata branca e sem grandes espantos me pusessem a dormir
um sono calmo e profundo
um sono drogado
só para não ter que continuar a existir
Hoje senti-te a falta
só para me dizeres que tudo iria correr bem
só para me fazeres ver o lado positivo
só para me perder nos teus braços e receber os teus miminhos.
Fotografia: Coolwhite by Nilgün Kara
(All rights reserved)
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Mas só se...
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
"And I don't believe..."
Em caso de confusão
deixo a porta aberta
pelo sim pelo não...
Em caso de dúvida
deixo-te a chave na fechadura
e fico a aguardar a abertura
Em caso de medo
fecho-a só por um instante
e fico à tua espera impaciente
Em caso de cansaço
vou mudar a fechadura
só para dar o caso como encerrado!
Fotografia: Open the Door by Pirulacidos
(All rights reserved)
terça-feira, 9 de setembro de 2008
Thanks Manuska!
Há pessoas que nos marcam... que deixam a sua marca...
Há pessoas que têm esse condão... entranham-se no nosso corpo... tornam-se parte do nosso ser...
Há pessoas de quem ao gostar não há lugar para o senão..ama-se incondicionalmente, ama-se plenamente, ama-se!
Há pessoas que sem o saber nos fazem chorar. Não de tristeza. Não de alegria. Mas de plenitude. Porque nos preenchem e as lágrimas são a mostra factual disso mesmo. As lágrimas são o entornar... é o que está a mais. Ama-se tanto que algo tem que sair. E saem estas lágrimas que nem são doces nem são salgadas... mas sim uma parte de algo maior.
Há pessoas que são simplesmente assim, esta forma mais perfeita de Ser, esta forma mais completa de existir e de, só por fazê-lo, retribuir... distribuir os sentimentos que são tão bons de sentir.
Há pessoas que o fazem sem esforço. Que o fazem sem fronteiras. Que amam sem pensar no amanhã.
Há pessoas que só por serem assim nos permitem ter um modo de vida mais feliz.
E tu maninha és sem dúvida uma pessoa assim!
Há pessoas que têm esse condão... entranham-se no nosso corpo... tornam-se parte do nosso ser...
Há pessoas de quem ao gostar não há lugar para o senão..ama-se incondicionalmente, ama-se plenamente, ama-se!
Há pessoas que sem o saber nos fazem chorar. Não de tristeza. Não de alegria. Mas de plenitude. Porque nos preenchem e as lágrimas são a mostra factual disso mesmo. As lágrimas são o entornar... é o que está a mais. Ama-se tanto que algo tem que sair. E saem estas lágrimas que nem são doces nem são salgadas... mas sim uma parte de algo maior.
Há pessoas que são simplesmente assim, esta forma mais perfeita de Ser, esta forma mais completa de existir e de, só por fazê-lo, retribuir... distribuir os sentimentos que são tão bons de sentir.
Há pessoas que o fazem sem esforço. Que o fazem sem fronteiras. Que amam sem pensar no amanhã.
Há pessoas que só por serem assim nos permitem ter um modo de vida mais feliz.
E tu maninha és sem dúvida uma pessoa assim!
Imagem: An unguided passion by Justin Vancil
(All rights reserved)
quinta-feira, 4 de setembro de 2008
Dor
Tenho uma dor que me percorre o corpo. Intermitente. Possante.
Se fosse uma dor parada, estanque, inerte facilitava-me em muito a vida.
Poderia dizer que me doía a cabeça. A zona do pescoço. Um peso nas costas. As hérnias. Poderia inventariar os nomes de todas as doenças que conheço e de que já ouvi falar. Listar mil e uma possibilidades para esta dor que sinto e que não me larga o corpo.
Mas uma dor assim intermitente, possante, em movimento não me dá tempo sequer de colocar na rosa dos ventos a dor que o vento já levou. Vai transitando de membro para membro, de nervo para nervo mas sempre de mim para mim... em mim.
Tenho uma dor que me percorre o corpo e que não dá para curar. Não me hão-de valer as maravilhas milagrosas dos compostos químicos e nem sequer as mezinhas e as ervas alternativas. Não me há-de valer o termómetro e nem o saco de água quentinha.
É uma dor que não pára. Que é real.
Uma dor que é a minha.
Se fosse uma dor parada, estanque, inerte facilitava-me em muito a vida.
Poderia dizer que me doía a cabeça. A zona do pescoço. Um peso nas costas. As hérnias. Poderia inventariar os nomes de todas as doenças que conheço e de que já ouvi falar. Listar mil e uma possibilidades para esta dor que sinto e que não me larga o corpo.
Mas uma dor assim intermitente, possante, em movimento não me dá tempo sequer de colocar na rosa dos ventos a dor que o vento já levou. Vai transitando de membro para membro, de nervo para nervo mas sempre de mim para mim... em mim.
Tenho uma dor que me percorre o corpo e que não dá para curar. Não me hão-de valer as maravilhas milagrosas dos compostos químicos e nem sequer as mezinhas e as ervas alternativas. Não me há-de valer o termómetro e nem o saco de água quentinha.
É uma dor que não pára. Que é real.
Uma dor que é a minha.
Fotografia: Flying nude1 by Correiae
(All rights reserved)
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Cansa-me esta ânsia...
Cansa-me a espera dos momentos inadiáveis
a fluidez dos momentos que me fogem
Cansa-me o ter as mãos cheias de nada
e nos braços as marcas dos abraços que ainda me doem
Cansa-me a dor das alegrias passadas
e o eterno passar das marcas
Cansam-me os olhares de soslaio
e ao mesmo tempo quero-os em mim centrados
Cansa-me a vida e a morte
e o desejar a todos mais sorte
Cansam-me os cafés e as pessoas
e a repetição eterna das horas
Cansam-me os relógios e os ócios
e por vezes só me apetece mesmo fechar os olhos
Cansa-me este perpétuo cansaço
e só anseio pelo teu regaço
Anseio pela vida plenamente vivida
pela tristeza transformada em alegria
Anseio pelas paredes que caem
e por campos verdes que à minha frente se abrem
Anseio pelo respirar profundo
por sair do fundo
Anseio pelas palavras
por novas estradas
e por novos caminhos
Anseio por uma nova poesia
por uma nova escrita
por novas ideologias
Anseio por ti e por mim
por tudo o que nunca terá fim
Anseio pela ânsia de ansiar
por uma humanidade que há-de vingar
por alguém que possa compreender
Cansa-me esta ânsia que me assola
mas é este o cansaço que me consola
e por isso deixo-me ficar assim...
Fotografia: Dream about falling down by bucz
(All rights reserved)
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
...
Hoje a cidade apresenta-se-me assim...
indefinida... escura... esquecida
Os carros parados parecem ter esquecido a sua finalidade
e deixam-se ficar assim... imóveis... incógnitos
Os sinais de transito deixam-se enraizar julgando ser árvores
e os Stops e os trânsitos proibidos
deixaram de vez de fazer qualquer sentido...
Fotografia: For hoped by UltraViolett
(All rights reserved)
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