terça-feira, 12 de novembro de 2013

É só um pesadelo...



Vai descalça. Não pela areia da praia em visão sublime, em imagem idílica, em imagem de fim de filme... com os créditos a rolar e onde o espectador fica com um sorriso nos lábios ciente de que a vida pode, também ter fins felizes.
Não.
Ela vai de pés descalços mas pela aspereza do cimento, da estrada que é feita de fumo e de gotas de sujidade. Estrada feita do suor dos homens que em dias de verão insuportáveis despejaram o alcatrão na gravilha que o esperava. E agora é este alcatrão já sujo e já gasto (mas não menos áspero) que ela pisa com os pés descalços. O olhar prende-se a nenhures assim como os sonhos que deixou de ter já vão tantos anos quantos os anos da estrada que agora pisa.
Vai de pés descalços e tem-nos assim com a mesma opção que a sua vida seguiu o rumo que seguiu.
Nunca lhe perguntaram o que queria ser quando fosse grande.
Nasceu já grande. Já adulta. Já mulher feita e já com rugas. Já com o peso de mil gerações que se lhe antecederam e a quem também nunca perguntaram nem por sonhos nem por desejos. Os medos seria escusado também perguntar. São os de sempre. Vão ser sempre iguais. Os sonhos são utopias. Só se conhecem o seu lado negativo e aí têm outra palavra para os designar. São pesadelos.
Sabe-o por experiência própria. Não porque alguma vez tenha acordado a gritar e com uma mão amiga na cabeça a dizer "shiuuu... volta a dormir... foi só um pesadelo. Está tudo bem. Volta a dormir".
Vai descalça e poderíamos dizer também quase que vai despida. Despida de vaidades, de imagens num espelho, de desejos que outra coisa que não fosse uma estrada menos áspera, um caminho menos rugoso, menos areia e menos pedras.
Os obstáculos fazem parte, dizem.
As pedras fazem parte como dizia o outro é pegar nelas e fazer castelos, dizem,
As estradas têm que ser sinuosas, dizem.
Mas isso tudo é válido para quem chega, para quem tem onde chegar.
E para quem só tem que continuar a andar?
Vai descalça.
Vai.
Vai de pés descalços.
Sim.
Sim, vai mas sem nunca saber que pode parar.
Mas como dizem... não se pode saber tudo...
E nós fingimos não saber...
Shiuuu... já passou. Foi só um pesadelo. Volta a dormir!

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