segunda-feira, 18 de julho de 2011

O silêncio que custa ouvir

Na festa de anos do sobrinho mais novo o divertimento da mãe, que ao contrário do neto já tinha idade para ter juízo, massacra a mana porque tem que arranjar o armário descaído da cozinha ao ponto de eu mandá-la parar. Eu que não sou nada disso. Eu que não falo assim com a minha mãe. Eu que a fumar um cigarro já não a conseguia ouvir mais. Eu a dizer "oh mãe, para de massacrar a minha irmã". A minha irmã que é filha dela. As mães têm o direito de massacrar. Eu já não aguentava. A minha mana é uma boa filha. Aguenta. Tem paciência. Eu não. Sou diferente. Não tenho. Devia. Mas não tenho. Depois à volta da mesa massacra-me a mim. Porque estou gorda. Porque sempre fui gorda. Sempre fui a mais cheia da família. Que já era cheiinha na adolescência. Eu que na adolescência tinha a alcunha de 'tábua', lisa à frente e lisa atrás. Magra. Afinal agora gorda. Afinal agora sempre fui. Mudam-se as conversas para os partos e eu que nasci na cama do quarto. Que nem dei tempo de ir para a sala de partos. Que nasci ao fim do dia. Eu que nasci de manhã. Que tenho uma certidão de nascimento que diz isso. Que fui trocada por uma outra irmã. Até compreendo. Ninguém é obrigado a saber a hora e o peso de todos os filhos. Já e uma sorte quando acertam na data de aniversário e na idade. Mas eu sem paciência. Eu que não sou a mana. Que não sou assim. Que não ando assim. Sem paciência. Volta a questão do peso. Do que há a mais. E que como mal. E que tenho que comer melhor. Eu que como bem. Eu que como muitas verduras. Eu sem paciência. Eu a levantar-me da mesa e ir para o sofá. Porque sem paciência. Depois porque temos que fazer a reciclagem da mana. Eu sem dizer palavra. Eu mesmo assim a ouvir. Eu sem paciência. Sem pinga de paciência. A viagem de carro para casa um suplício. Uma dor no estômago. Sangue frio a correr-me pelas veias. A cabeça que me dói. O silêncio que custa a ouvir. E eu sem paciência.
E depois a vida. Madrasta. Maldita. Cruel. Que nos vai tirando aqueles de quem gostamos. Que vai pedindo emprestado aqueles de quem os nossos gostam. E eu sem saber o que fazer. Impotente. Sem reacção. A perder a noção do que é certo. A ganhar noção de que há cada vez mais o errado. E mesmo assim sem paciência. E depois a morte. Que espreita curiosa. Que anda sempre a espreitar. Que nem uma sombra num dia de verão. A pairar. E eu a começar a ficar sem forças. Sem reacção. Sem paciência.
Sem palavras.

2 comentários:

Eu disse...

querida, um abraço muito apertado e um beijo!
(já sabes se precisares apita!)

Pat Views disse...

um super beijo na super sandra :) que por sinal é super linda! Muah**