terça-feira, 22 de setembro de 2009

Interregno



"Eu nem sequer gosto de escrever,

Acontece-me às vezes estar tão desesperado que me refugio no papel como quem se esconde para chorar.
E o mais estranho é arrancar da minha angústia palavras de profunda reconciliação com a vida."

Eugénio de Andrade in Rosto Precário, 1979

E eu por vezes até gosto e outras nem consigo...
E procuro no teu colo o refúgio e procuro no meu silêncio o exílio e encontro nada disto em lugar nenhum. E em vez das lágrimas que seriam um alívio encontro palavras endurecidas, gestos inexplicáveis, palavras desconhecidas em pessoas que julgávamos conhecer, sentimentos novos em pessoas que julgávamos gostar e por vezes o desconsolo, e por vezes a incompreensão, e por vezes apenas uma pequena decepção. Pequena porque a vida já não dá para mais.
E o estranho é pensar que as palavras me confortam e o que me entristece é que por vezes magoam.
E o mais estranho é ter tudo isto em mim, é arrancar as palavras e os sentidos, por vezes até gestos, por vezes até os órgãos e arrancá-los e atirá-los ao mar, atirá-los ao rio, jogá-los fora só para não mais jogar com eles.
E o estranho é que mesmo assim consigo reconciliar-me com a vida.
E eu que nem sequer gosto de escrever.
Quer dizer... por vezes gosto.
Mas há vezes que nem consigo!



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