Hoje queria que as palavras me aparecessem de surpresa, me fizessem um assalto, se aliassem ao meu estado de espírito, me deixassem tirar o peso que teima em alojar-se nas costas e ajudassem a tirar o vazio que vai cá dentro.
(tira-se o vazio e fica o quê?)
Hoje queria poder voltar atrás, queria ser quem não sou, não ser quem teimo em ser. Ser outra qualquer coisa, outro alguém, olhar-me ao espelho e não me reconher.
(e se nos tiram a pele, se nos tiram o que somos, como saberemos como nos encontrar?)
Hoje queria qualquer coisa que ainda não descobri muito bem o que é. Acima de tudo queria as palavras. Escrever algo belo e sentido. Escrever em poema ou em prosa. Mas que algo belo saísse dos meus dedos para sentir que há ainda algo de belo dentro de mim.
Hoje queria as palavras mágicas, as salvadoras.
(se as houvesse não estaria já o mundo inteiro curado? porquê procurar por algo que não existe?)
Hoje queria enterrar a cabeça na areia, todo o meu corpo, todas as memórias, todos os desejos.
Porque há dias assim em que desejamos um novo passado que proporcione um futuro diferente.
(ou porque eu sou assim. se calhar mais ninguém é).
Hoje queria acima de tudo coerência, sentido, um pé a seguir ao outro, frases que tivesem significado, palavras que fizessem sentido.
Queria poder pegar no telefone e falar, mesmo que sem sentido. Ter alguém do outro lado que ouvisse, que me desse sábios conselhos, (mais uma vez) palavras sábias.
(e posso fazê-lo, então porque não faço?)
Hoje queria apagar.
Sim... apagar.
Deixar tudo em branco.
Apagar.
Recomeçar.
Fazer tudo de novo.
Esquecer-me.
Não mais lembrar.
Hoje o que queria mesmo era conseguir voltar a escrever com a força que em tempos tive. Acabar de escrever e perguntar-me "quem escreveu isto?", e depois da pergunta feita pensar "fui e está bonito... um dia hei-de escrever um livro".
Se pudesse telefonava às minhas palavras para que elas me podessem dizer o que eu preciso agora de escrever.