sexta-feira, 29 de junho de 2012

Pérolas



Há momentos bons
daqueles mesmo bons
em que queremos guardar só para nós
fechar os olhos e voltar a esses momentos, sentir os mesmos sentimentos, os mesmos arrepios
Há momentos que queremos que nunca acabem
que guardamos numa caixinha
uma caixinha que vamos abrindo aos poucos e devagarinho
com medo que fujam
que se gastem
que percam o seu poder
Há momentos a que nos agarramos se tudo corre mal
a que nos agarramos para nos sentirmos melhor
pequenas pérolas guardadas em silêncio
joias que duram uma vida
e dos quais não nos conseguimos afastar
Há momentos destes
mesmo bons
e que são nossos.
E isso sabe tão bem!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Vertigens

Não damos por ele. Mas ele está lá.
Ainda ontem tinha calor e hoje tenho frio.
estamos no verão e eu tenho frio.
Ainda ontem era o barulho, o ruído, e hoje o silêncio.
Ainda ontem era ânimo e hoje é cansaço.
Ainda ontem era vida e hoje já não é.
Nós não damos por ele. Seria impossível... antes insuportável darmos por ele. Daríamos em loucos. Sentiríamos vertigens. Seria o medo de avançar... e mesmo avançando estaríamos mesmo a andar para a frente? estaríamos a chegar a algum lugar? estaríamos na direção certa?
Não podemos dar por ele porque isso iria condicionar tudo... e já estamos tão condicionados por tudo o que nos rodeia que mais um condicionamento seria talvez devastador.
por isso ainda bem que não damos por ele.
Mas ele está lá.
nós sabemos que ele está lá.
Mas não o sentimos
não o vemos
e até podemos acreditar que não existe
mas no fundo todos acreditamos
O mundo move-se. Devagar. Impercetível.
É esse movimento que nos faz andar
que nos faz avançar
mas não o sentimos
é como uma mão invisível que nos empurra para frente.
Mas estaremos de facto a andar para a frente?
estaremos de facto na direção certa?
não andamos apenas às voltas
presos no mesmo lugar
nos sensos-comuns?
Não damos por ele.
Seria insuportável
mas hoje sinto as vertigens de duas forças que se chocam
de dois movimentos contrários
e sinto que estou a caminhar na direção errada
Não damos por ele.
E às vezes nem dou por mim...

"E se me enganei, doutor? Se percebi tudo ao contrário" *


Sem palavras... porque já tudo foi dito!





*in a gaveta do paulo

terça-feira, 19 de junho de 2012

Prazo de validade... a expirar

A constatação de que a idade física é tramada vem, normalmente de rompante.
E isto tem uma justificação, é que a nossa idade mental não nos permite pensar muito à frente no tempo...
Até aqui tudo bem.
Hoje fui a uma consulta de gajas (if you know what I mean), consulta à qual eu vou religiosamente todos anos. Lá está... sou agnóstica... e enquanto eu estava convicta que lá tinha ido no início do ano passado a minha médica olha para mim e ri-se... não, não foi no ano passado, foi há dois anos e meio. Silêncio. O meu olhar de pânico a pensar que as doenças mentais já estavam a começar a atacar este lindo cérebro... ela, que já está batida nestas coisas responde ao meu pânico com um "bem, ao menos sei que o tempo não passa a correr só para mim... é para todos", vá de gargalhada (gargalhada dela que eu ainda estava a pensar que ela se tinha enganado a colocar a data da última vez que lá fui). Passámos à sala maravilha e lá estava eu, deitadinha na maca naquela posição extremamente confortável quando ela me pergunta (muito gosta a minha médica de falar) "E então bébés?" e eu "ah e tal... talvez um dia... ou então não... depende da quantidade de dias que deixar passar" (e ri-me contente da minha garçola... Ela para me 'descansar' não vai de modos "Oh, não se preocupe... ainda tem bastante tempo... uns três ou quatro anos para aí".
...
silêncio
...
e de repente só digo... "bem se passarem tão rápido como da última vez que cá vim... já era"...

E pronto... tenho um prazo de validade... mais ou menos de 3/4 anos... vá... não é assim tão mau... podia já ter passado :S

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Ouvidos para escutar

Dá-se conta que não é capaz.
Aos poucos cai-lhe a chapa, faz-se luz e percebe que não é capaz.
É a pressão. A pressão do silêncio. A pressão das palavras a quererem sair. A pressão do silêncio.
Dá-se conta que falha.
Dá-se conta que falhou.
E a impressão contínua da pressão.
Como um comboio que leva à sua frente o que à sua frente se meter.
É a pressão.
E dá-se conta que não é capaz.
Pede ajuda.
Pede ouvidos mais do que conselhos.
Alguém que ouça. Que faça deste verbo ação. Alguém que se interesse.
E depois percebe.
Aos poucos cai-lhe a chapa, faz-se luz e percebe que não precisa.
Por vezes não interessa muito o que se diz.
O que realmente importa é saber que há alguém que pode ouvir.
E dá-se conta que a vida continua.
E dá-se conta que continua a inspirar e a expirar.
Que há ouvidos para escutar
quando as palavras precisarem de sair.
Por agora sente que não tem nada de útil para dizer
mas quando tiver
já sabe com quem contar.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Mundos paralelos

Ele pára. Senta-se. Pensa. E volta a deitar-se.
Adormece e deixa que adormeçam com ele as preocupações.
Não tanto as dele mas as dos outros.
Carrega no corpo o peso de outros corpos e na cama, deitado, esse peso é repartido pelos lençóis e pelo colchão.
Carrega no corpo as questões e as dúvidas.
Pop-ups de likes e de don´t like.
A cabeça gira.
Ele pousa-a na almofada para que pare de girar.
E deixa-se adormecer para deixar de tentar pensar.
São as costas dos outros que lhe pesam nas suas e deixa-se estar.
Na sua mente não há dúvidas.
Sabe o que quer.
São as preocupações dos outros.
Se bem que... com o mal dos outros podemos nós bem.
E de repente o frio
e de repente o calor
e de repente os beijos
os dados e os roubados
e na sua mente não há dúvidas
que quando se ama não se questiona
e não se fazem perguntas
Ele pára. Senta-se. Pensa.
E de repente o frio...

....

Ao longe o frio trespassa, infiltra-se,
deixa marcas
queimaduras
(sim, que estas não se fazem apenas pelo calor)
e tenta-se respirar
e o corpo encarquilha-se numa tentativa de escapar ao frio
e da boca já não saem beijos
já não saem sons
apenas nuvens de fumo branco
apenas o calor que ainda restava dentro do corpo
Ao longe ela anda de um lado para o outro.
Levanta-se.
Faz por não pensar.
Não se quer deixar adormecer
evita os sonhos
E tem no corpo o seu peso
e quer mantê-lo todo
como punição
para se lembrar
Não quer esquecer
De longe chega o frio
e ela de corpo nu
e ela sem respirar
sem conseguir respirar
e cheia de perguntas
Ela anda de um lado para o outro
apenas para não parar
apenas para não pensar
apenas para o seu peso carregar.

...

O cão está com dores...
Do nada manda um ganido que me dói bem fundo na alma.
Junto a minha dor à dele e finjo que é apenas uma
também a mim me apetecia poder exteriorizar como ele o faz...
Mas o cão está com dores, o meu companheiro de uma vida... com dores
tristonho, cabisbaixo, sempre deitado mas sem dormir...
não sei se para me acompanhar ou se eu para o acompanhar
quase uiva de dor
e eu quase choro ao ouvi-lo
E é uma dor que me abre o peito
a minha e a dele
juntas
já não dá para perceber qual a dor que pertence a quem
deito-me ao seu lado e fico a olhá-lo
e ele 'queixa-se' e eu quase que choro...
e sussurro-lhe ao ouvido e de mansinho
"não me podes deixar agora... a dona precisa de ti..."
e ele respira fundo
e eu fico apenas ali
atenta ao seu batimento cardíaco
ao mesmo tempo que ignoro o meu!
O cão está com dores...
e tudo em mim me dói!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Descobertas

O FB tem destas coisas boas... ajudam-nos a descobrir boa música!

Descobri o Azevedo Silva e agora é ouvir em repeat!!

Muito bom!!

A quem o partilhou um muito obrigada, um grande beijo e muita saúdinha e da boa :-)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

E no início era o verbo
ou foi o pensamento?
vieram os artigos, os definidos e os que ficaram por definir
vieram os adjectivos, os antónimos e os sinónimos
vieram as palavras
montes delas
e com elas os pensamentos
rios deles
ou vice-versa
que a questão da origem para aqui não interessa
Vieram os pensamentos e as palavras
e o cérebro tornou-se num motor
num labirinto
E chega a doer a rapidez e a força com que as palavras nos seguem
metemo-nos pelo labirinto adentro
na esperança de chegar ao seu fim.
à procura da saída
de uma saída.
Agarramo-nos ao fio de Ariane na esperança que nos guie
que nos ajude
e damos voltas e mais voltas
corremos pelo labirinto que é o nosso cérebro
esbarramos em obstáculos
paredes de vegetação densa, condensada, opaca
florestas inultrapassáveis
damos voltas e mais voltas
voltamos ao ponto de partida
e o fio que era suposto nos guiar
é o mesmo que se entrelaça nos nossos pés
que se enrola e nos faz tropeçar
cair
retiramos os nós
e que nem pugilistas
ficamos por momentos sentados a um canto
a reganhar as forças entretanto perdidas
apenas para nos voltarmos a levantar
e recomeçar a luta.
E no início era o verbo
ou o pensamento
que aqui não nos interessa a origem
apenas a demanda por uma saída!

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Deixou-se ficar ali sentada.
Imóvel.
Horas
À espera.
O móvel, de madeira escura, quase preto
igual a tantos outros móveis
em outras tantas casas
Dividido em dois módulos
no alto o telefone com a sua enorme roda, os números já sujos dos dedos descuidados que rodaram a roda da sorte
muitas vezes sem sorte nenhuma
o telefone em cima de um napperon, oferta da avó para o seu enxoval
o enxoval que chegou a ouvir dizer entre janelas que era mal aproveitado
que aquela ia ficar para tia
ela era aquela
e as palavras trocadas entre janelas entravam-lhe por entre os ouvidos
ou pelos ouvidos e ficavam a pairar ente eles
Rapidamente as palavras saíam
mas o napperon ficou
fosse como fosse a ela davam-lhe jeito aquelas coisas
os panos e os lençóis de linho branco
imaculados
bordados
(ela não gostava dos bordados).
mas deixou-se ficar ali sentada
na segunda parte do móvel que tinha mesmo essa função
a de servir a quem nele se quisesse sentar
quem nele quisesse esperar
E ela esperou
esperou pelo telefonema que nunca chegou
pelo toque
pelo aviso
Cansada de esperar, levantou-se num ímpeto
deixou-se ficar de pé
ainda a balouçar das tonturas
e pensou
que a vida era tramada
se se espera... perde-se o momento
se nos levantamos... trememos das pernas...
sorriu
abriu a porta e saiu.