sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Sentei-me


Sentei-me.
Sentei-me por sentir a incapacidade em mim a aumentar.
A incapacidade de continuar. A incapacidade de me manter de pé. A incapacidade de continuar a respirar.
Sentei-me.
Sentei-me porque de repente senti que tudo à minha volta parava e sentava-se também.
Porque de repente senti que o mundo parava o seu movimento e se eu continuasse a andar o caos iria nos inundar.
Sentei-me.
Sentei-me porque senti que assim iria salvar o mundo do eterno burburinho, da confusão sem mais senão, de tudo o que haveria de mal.
Sentei-me.
Sentei-me porque sabia no íntimo que assim acabava com a possibilidade, assim acabava com a impossibilidade, com os números infinitos e com os pares tão temidos.
Sentei-me.
Sentei-me devagar por sentir em mim a incapacidade de continuar.
Sentei-me porque finalmente precisava de descansar, precisava do distanciamento do andamento, precisava da perspectiva do olhar parado, precisava de me sentir ausente, precisava de me sentir ponto de partida para mais uma maratona, para mais uma corrida.
Respirei fundo enquanto fechava os olhos... respirei fundo enquanto os voltei a abrir... respirei fundo enquanto me levantava decidida a de novo partir.
Andei e até hoje nunca mais parei.
Andei sem pensar mais em me sentar.
Andei com a certeza de que quando precisasse não me iria mais sentar...
se é para descansar então que fique deitado.


Fotografia: Sitting, waiting, wishing by Toko
(All rights reserved)

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Há noites assim!


Em que a companhia é uma boa companhia,
em que o ambiente convida
e em que o espectáculo faz apetecer por mais!!


"A Tempestade pela Companhia do Chapitô

A última criação da Companhia do Chapitô é uma comédia visual baseada na peça de William Shakespeare.

É uma história de magia, monstros e espíritos numa ilha encantada num mar distante. Conta o que aconteceu nesse mundo de sonho, quando a inocência, o amor, o medo, a malvadez e a vingança entram em choque sob o poder de um grande mágico.

A peça mais visual de William Shakespeare

Autoria: Criação Colectiva Companhia do Chapitô
Encenação: John Mowat
Interpretação: Jorge Cruz, Marta Cerqueira, Tiago Viegas"


A não perder e só até dia 01 de Março!!!


Divirtam-se!!! :)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Números inteiros


Passa por aí!
Passa por saber que o amanhã é uma incógnita
e que já que se tem que viver
que se faça, também, por o merecer.
Passa por sabermos se queremos mesmo ser felizes
ou se é uma mera teimosia que almejamos desde petizes
como quem anseia por um gelado
e depois afinal já está enjoado
Passa por saber o que realmente estamos dispostos a fazer
e até que ponto estamos dispostos a ir
e se a disposição não é uma mera ilusão
se não passa de uma fraca intenção
Passa por aí!
Por saber quando lutar
por saber quando rir
por saber quando parar.
Passa por aí!
Por amar sem limites
por sentir sem barreiras
por saber conviver paredes-meias.
Passa por saber partilhar
por saber perdoar
por saber até esquecer.
Passa por saber falar
por saber o silêncio apreciar
por saber liberdade dar.
Passa por se ser honesto
por se ser inteiro
por andar direito.
Passa por não se perder a coluna
por aprender a ultrapassar as lacunas
por aprender a rir com os erros.
Passa por aí... Por sermos sempre um número inteiro!


Fotografia: You with numbers by anemic-cinema
(All rights reserved)

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

E o meu cavalo só falava Inglês...


João e Maria
(Sivuca-Chico Buarque)

"Agora eu era o herói
E o meu cavalo só falava inglês
A noiva do cowboy
Era você
Além das outras três
Eu enfrentava os batalhões
Os alemães e seus canhões
Guardava o meu bodoque
E ensaiava um rock
Para as matinês

Agora eu era o rei
Era o bedéu e era também juiz
E pela minha lei
A gente era obrigado a ser feliz
E você era a princesa
Que eu fiz coroar
E era tão linda de se admirar
Que andava nua pelo meu país

Não, não fuja não

Finja que agora eu era o seu brinquedo
Eu era o seu pião
O seu bicho preferido
Vem, me dê a mão
A gente agora já não tinha medo
No tempo da maldade
Acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá desse quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no meu mundo
Sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim."

Simplesmente porque me faz sentir de novo criança!



Imagem: Francisco Buarque de Holanda by Reinaldo Lima
(All rights reserved)

Saudades do indeterminado

Corro a cidade sem saber se é a ti que procuro ou se é de ti que fujo... tal é a confusão que as voltas me fazem, tal é a repetição dos prédios, dos lugares. Lugares comuns porque repetiram-se vezes demais nos meus olhos e já não deixam lugar para a imaginação.
Corro a cidade com a mesma determinação com que corri do campo, com que fugi das árvores e dos silêncios, dos verdes e dos tons acastanhados. A mesma determinação que agora me embacia os sentidos, os mesmos silêncios que me deixam saudades dos verdes, os mesmos tons acastanhados que me deixam saudades do indeterminado, da ausência dos semáforos que me gritam aos olhos que devo andar, que devo parar.
Corro a cidade e trago no nariz os mil cheiros que me inundam no caminho, trago os carros e os seus escapes, trago as casas e os seus jantares, trago as pessoas e todas as suas vidas presas no nariz.
Corro a cidade e trago na boca os sabores das lojas, o sabor dos placards, o sabor dos copos que me acompanharam na vida, dos martinis e dos gins tónicos, dos vinhos bebidos sem racismos e sem distinções.
Corro a cidade com a mesma determinação de quem corre a maratona... à espera de ver a fita ao fim da corrida.
À espera que alguém me diga que não faz mal parar!


Fotografia: The City by Night by Guy Boden
(All rights reserved)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Quem


"Quem

Não sei como se ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba
nem se há palavra para voltar
do grande rio do
esquecimento.
Não sei se no terceiro dia
alguém me espera. Ou se
ninguém.
Em cada poema levanto a pedra
em cada poema pergunto quem."

Manuel Alegre


Prendo-me ao não sei como se ressuscita porque ainda só aprendi a levantar-me da vida!
Prendo-me à esperança do terceiro dia porque nos dois primeiros esqueci-me de ter esperança!
Mas em cada poema prendo-me à pedra que tento mudar de sítio!
Mas em cada poema prendo-me à pergunta, prendo-me à palavra e no fim não me deixo prender a ninguém!


Imagem: Petite by Nilgün Kara
(All rights reserved)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Monólogo


Carrega-me ao colo
carrega-me no peito
mas não me vejas como um peso que é preciso carregar
Traz-me contigo no peito
na mão que se cruza com a minha
num qualquer órgão
pode até ser no coração
mas não me consideres como um 'senão'
Aprende a olhar-me de frente
aprende a encarar o mundo nos olhos
aprende a dizer que sim
aprende a acreditar em ti
mas fá-lo sempre com um olhar que sai de dentro
fá-lo sempre com os sentimentos que foram sentidos
fá-lo sempre sem pensar no perigo
fá-lo numa forma de arriscar sem riscar
sem apagar
sem te anulares
Traz-te contigo
mas não te carregues
Não és peso
não és sombra
não és um 'não'
tenta ser apenas o que trazes no coração.


Fotografia: Reflection by Zhang Jingna
(All rights reserved)

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Vital


"Era vital. Para mim era vital!"
Passou a mão pelo cabelo ainda molhado do banho que acabara de tomar e enquanto sorria pensava que era vital. Tinha sido vital.
Riu-se e quase se assustou por ouvir o eco da sua gargalhada ecoar pela casa que parecia nunca estar cheia o suficiente e que ela achava que já se encontrava preenchida demais. Riu-se pela ideia, pelo conceito, pelo "então é vital porquê? Será mesmo uma questão de morte ou de vida?". Riu-se porque não era. Riu-se porque sentia que era sim senhor e que ninguém ousasse cruzar-se no seu caminho para dizer que não.
Sentou-se no sofá e desejou por momentos não ter deixado de fumar (há alturas em que os momentos seriam perfeitos apenas e com um cigarro aceso na mão). Embora soubesse que não era uma questão de vida (não no sentido em que a mesma se pode perder), a verdade é que a sua qualidade de vida dependia daquele momento, tinha dependido da honestidade daquele momento. E isso alterava, só por si, tudo o resto.
Podia até nem ter sido vital, pensou, mas que para si tinha tido um elevado grau de importância isso ninguém o podia negar e agora, depois do acto consumado, depois de tudo tratado, sentiu-se aliviada porque sentiu que desta vez fez o mais correcto a fazer!


Fotografia: Nadia by Huseyin Turk
(All rights reserved)

A transbordar de qualquer coisa...


No meio das inseguranças que chegam mesmo a caracterizar uma vida inteira de devaneios e de intermitências para-se na acalmia dos sentimentos, na suavidade de uma calma que nos deixa drogados, intoxicados, a transbordar de qualquer coisa que não sabemos nomear mas que nos acalma, que nos pousa a mão no ombro e nos empurra e nos faz sentar, que nos tira o pé do acelerador e nos faz abrandar, que nos faz acreditar.


Fotografia: Translation by Gilad Benari
(All rights reserved)

Amores perfeitos


Fomos os dois à farmácia e às tantas o farmacêutico diz-nos enquanto apontava para uma cesta de verga cheia de pequenos vasos:
"A nossa farmácia faz hoje quatro anos! Querem um amor perfeito?"
E eu limitei-me a pensar que já o tinha ao meu lado!!!

Mas pelo sim pelo não trouxe o da farmácia também!!

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O que é!


E finalmente
Senti-te como se a minha função fosse apenas essa
Cheirei-te como forma de te guardar
Vi-te como já há muito não te via
Ouvi-te como tanto me apraz ouvir-te
Saboreei-te porque era o mais lógico a fazer!
E finalmente
Senti-te como forma de te guardar
Cheirei-te apenas para abrir os olhos e poder ver-te
Vi-te apenas para dar cor ao teu falar
Ouvi-te a dizer que gostavas de mim
e saboreei-te apenas para descobrir que
com ou sem antecipação és muito melhor assim
ao pé de mim!!!


Fotografia: CBL - Study XXIII By Pedro Inácio
(All rights reserved)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sexto Sentido ou uma forma de antecipação!


Sinto-te
Cheiro-te
Vejo-te
Ouço-te
Saboreio-te
Deixo os meus sentidos vaguearem pelos teus
Misturarem-se com os teus
Perderem-se com os teus
Apenas para os saber meus
Apenas para voltar a encontrá-los
Mas ...
sentir-te
cheirar-te
ver-te
ouvir-te
e saborear-te
é trazer sempre algo mais
é vir sempre com uma nova riqueza
é como se ganhasse um sexto sentido
e é por isso que
sentir
cheirar
ver
ouvir
e saborear
ganhou uma nova forma neste meu novo sentido que é o meu Pensar
Porque é no pensamento que eu nos vejo aos dois
é no pensamento que agora tu estando longe eu te sinto perto
é no pensamento que ouço a tua música numa tentativa de te ouvir
e é no pensamento que novamente
sentimo-nos
cheiramo-nos
vemo-nos
ouvimo-nos
e saboreamo-nos!


Imagem: The Senses by Bruyne
(All rights reserved)