quarta-feira, 31 de outubro de 2007

words...



Não é que esteja triste
não é que o seja
mas sou mesmo assim
aqui sou assim
quando escrevo sou assim!
Se escrevo sobre os passos
é porque me custa a caminhar
Se escrevo sobre labirintos
é porque sinto que ainda não encontrei o caminho
Se digo que tenho frio
é porque o calor em mim reduziu
Se falo de um reflexo que já não reconheço
é porque me olhei ao espelho
de uma calma que sinto que perdi
é porque me irritei
de algo de estranho em mim
é porque ainda não me encontrei.
Aqui é onde eu sou assim
onde penso
onde escrevo
onde debito palavras no papel
nem sempre as minhas
nem sempre sentidas ou reais
Mas...
sou as palavras que escrevo
e sempre que o faço
elas tornam-se parte de mim!


Fotografia: Sadness by Plangdon2
(Todos os Direitos reservados)

Tempo, tempo, tempo...


Esfriou
O tempo esfriou
De repente o clima muda sem avisar
diz-nos apenas um nome de um mês
e a partir dele temos que adivinhar
Vai estar calor,
vai estar frio
Mas agora o tempo esfriou e eu sinto-me com frio
estou a tremer
mas isso não tem nada a ver...
é de medo... não é do frio
sinto-me a enregelar
mas também não tem a ver com o Novembro
esse ainda nem chegou
Esfriou
não sei se é do tempo
mas sinto-me a esfriar...

Fotografia: Fresh and cosy by Christophe Niel
http://christophe-niel.deviantart.com/
(Todos os Direitos reservados)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Vem...




Vem e diz-me que está tudo bem
mente-me se for preciso
Finge se necessário for
Vem e acalma-me os soluços
seca-me as lágrimas
apazigua-me a alma
Vem fazer planos
traçar rumos
escolher as cores
Vem e senta-te ao meu lado
encostas o teu ombro ao meu
e ficamos assim lado a lado
Não vás à frente
não te posso seguir
E se ficares para trás
não posso esperar
Vem e diz-me que está tudo bem
mente-me se for preciso
Finge se necessário for
mas não deixes de vir!


Fotografia: Follow me by Miskin83
http://miskin83.deviantart.com/
(Todos os Direitos reservados)

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Ghosts


"Claro que não acredito em fantasmas!"
Ela afirma-o com a mesma certeza de sempre
chega mesmo a dar um risinho, encolhe os ombros e revira os braços
arremata com um
"Que disparate! Fantasmas..."
À noite no seu quarto a certeza deixa de estar de um lado
passa para o outro
sente aquelas presenças ali ao seu lado
por vezes chega mesmo a vê-las na sua indefinição
treme por dentro e esconde-se debaixo dos lençóis
Desde criança que convive com estas visitas
Que as sente. Que treme. Que receia.
Ultimamente deixou de pensar que era invenção sua
partidas pregadas pela sua imaginação
o seu gato pressentiu-os também
e quase que rosnava como se um cão fosse
ela limitava-se a repetir para si mesma
"Não tenhas medo! Não tenhas medo!"
O cansaço venceu-a mais uma vez e com ou sem companhia
deixou-se adormecer
De manhã ao acordar olha para o bicho
ambos trocam olhares cúmplices
À tarde ela volta a encolher os ombros
a risada desta vez mais forte
e a afirmação
"Claro que não acredito em fantasmas! Que disparate!"
e a esperança de nessa noite ter a casa menos povoada.

Fotografia: Sleeping with ghosts by muratsuyur
in http://muratsuyur.deviantart.com/
(Todos os Direitos reservados)

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Sinto-me...



Faz-me falta a pausa para o café
o cigarro meio-fumado, meio-a-arder
Fazem-me falta os dias bons e calmos
os dias de loucura
Faz-me falta o yoga e a meditação
a paz de espírito... do meu
Sinto-me irritada, invejosa e egoísta
sinto-me como a parte queimada de um bolo
o arroz que se colou ao tacho
Como um copo de água sinto-me a transbordar
e quando olho para dentro percebo que estou vazia
Faz-me falta a calma de outros dias
onde era capaz de sorrir logo pela manhã
Faz-me falta a minha serenidade
sinto-me suja pelos outros
conspurcada pela sua miserabilidade
Eu não sou isto!
Sinto a falta de mim!

Fotografia: Dance with us by Incredi
in http://incredi.deviantart.com
(Todos os Direitos Reservados)

As Horas


A hora vai mudar
Todos os anos muda logo a surpresa não deveria ser grande
Nas horas que são as nossas vamos deixando os ponteiros avançar
alturas há em que param
outras há ainda em que temos que os fazer avançar
Mas a verdade é que seja qual for o caso
as Horas não param
os dias sucedem-se
do horário de Inverno passamos para o de Verão
e cada vez mais parece-me que saímos de uma praia directamente para a árvore de Natal
que mal acabamos de saborear um gelado já estamos com as mãos enfiadas na massa para fazer as filhoses de Natal
Lisboa já está enfeitada e já só falta acenderem as luzes
As Horas essas ninguém as apaga
ninguém as pára
e elas continuam a passar
sempre
ad eternum

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

...


Da janela do meu quarto outros mil quartos se levantam no horizonte
outras mil vidas se entre-cruzam com outras mil
e todos os dias assistimos em conjunto ao começo de um novo dia!

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Finish line


Por vezes é inevitável
A sensação de que a meta de chegada distancia-se a cada passo!
Vamos andando, no caminho que é o nosso
Vamos oscilando ora entre passadas largas
ora entre passos pequenos
por vezes paramos para observar o que está em redor
outras vezes caminhamos sem pensar em mais nada
um passo à frente do outro
e a cabeça cheia de nada
e o pensamento vazio de rumos definidos
Por vezes é inevitável
não percebemos porque é que agora parece mais longe
não percebemos como já nos pareceu estar mais perto
mas a verdade é que parece inatingível
Agora percebo
agora percebo aqueles que desistem
os que se atiram ao chão
ou que simplesmente voltam para trás
Uma tamanha distância é difícil de percorrer
e por vezes a vontade de ganhar não é tanta como a de perder!

Fotografia: Corridori by mrpitone
(Todos os Direitos reservados)

The Lovers


"Some people hate them, you know. Lovers. Nothing drives them madder than to see two people kissing. Love's an affront. You ever thought about that? Love's an emotion so charged and pure that it can attract a pure and charged hatred. That's why I don't think lovers should love in public. Some people have murder in their eyes when they see lovers, but somewhere out there is a person so disappointed with their life, so full of self-contempt, they're carrying murder in their pocket. A gun to blow away lips that were blowing kisses. (Imitates a gun) Pyeach! Pyeach! 'Put that tongue back in your mouth, lover!' Pyeach! Pyeach! 'Put them arms down by your sides, lover!' Pyeach! Pyeach! 'Wipe that shine from your eyes, lover! Who gave you the right to be happy when I'm not?' Pyeach! Pyeach! So drink up, lovers. Here you can hold hands, gaze at each other, touch and blow kisses. In my restaurant you're safe. Drink!"

Arnold Wesker, Lady Othello (1987)

Ilustração: The Lovers By Magritte
(Todos os Direitos reservados)

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Surpresas


Adoro surpresas!
A melhor que eu já tive foi a minha mana mais velha que um dia, que não tinha nada de especial, chegou a casa e deu-me um Troll todo simpático (hummm... pensando bem porque será que ela olhou para o Troll e lembrou-se de mim??).
A surpresa de receber qualquer coisa e não estar à espera é-me deliciosa!
Mas muito mais do que receber surpresas o que eu gosto mesmo é de as fazer!
Adoro comprar presentes, pensar no que a pessoa pode ou não querer, tentar encontrar qualquer coisa de diferente... mas o que me agrada mesmo é comprar presentes em dias normais e oferecê-los assim... sem desculpa... sem obrigação!
Hoje vou dar uma prenda assim!!!
E estou a contar os minutos para a surpresa!!!

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Bem me quer... mal me quer


E como estou de bom humor... nada como ofertar-vos uma flor!!!

Em troca?
Podem dar-me um sorriso e eu fico logo a perceber que me querem bem!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

E se...

... te convidasse para saltarmos os dois?
Juntavas-te a mim?




Fotografia: Leap by 7th-Heaven-Creative

(Todos os Direitos reservados)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Infâncias


Desde que nascemos que tudo o que fazemos é de corpo e alma!
Rimos e choramos
Saboreamos e descobrimos
Utilizamos todos os nossos sentidos
sentimos tudo ao máximo!
Da minha infância gosto de recordar esses momentos
Com a minha mana mais velha partilhávamos as descobertas
os sabores, as alegrias e as tristezas
Lembro-me das casas que fazíamos com lençóis e cobertores
prendíamos tudo nas cadeiras com molas e aquele era o nosso mundo
lembro-me de lavarmos as cabeças às bonecas
de lhes estragarmos o cabelo com o secador
(e o nosso ar atónito por tal acontecer)
lembro-me de fazermos caramelo e de queimarmos os dedos por não conseguirmos esperar que este esfriasse na pedra da cozinha
lembro-me de nuas fazermos corridas na varanda toda molhada e ensaboada
de disputarmos os ornamentos mais giros da casa para enfeitar a mesa
lembro-me também das brigas, das turras, dos gritos
Lembro-me de tudo isto com o carinho próprio de quem regressa à infância por breves momentos
lembro-me do sumo de café que a minha mãe fazia
dos bolos fracassados dela
mas não me lembro de ela alguma vez ter brincado connosco
acho que devia andar cansada demais, compreendo!
Mas essa é uma memória que me faz falta!

Fotografia: Explosive by Alon-O
(Todos os Direitos reservados)

E será que sabemos?


Sim eu sei!
Mas mesmo não sendo bonita
não quer dizer que não consiga!
Sim, já me disseram
começar é difícil
e avançar até mete medo!
Pois, já percebi
sou mais gordinha que a maioria
mas ainda não desisti!
Sim, já ouvi dizer
é bastante complicado
nada está garantido
e muitos só querem desaparecer!
Sim, também já vi
há as quedas e os recomeços
chega mesmo a haver desilusões!
Sim eu sei!
Mas já que estou aqui vou aproveitar
e em vez de pensar no que perdi
vou apenas me focar no que ganhei!
E agora sou eu que te digo
o exterior importa mas não é basilar
as dificuldades assustam mas ao chão não te vão atirar
e se por acaso caires... é da maneira que aprendes a levantar-te
Sim, já ouvi dizer...
por vezes custa viver
mas custa ainda mais
deixar a vida passar...

Fotografia: SoileH by Nasht-01
(Todos os Direitos Reservados)
in http://nasht-01.deviantart.com/

...


Por vezes ficamos assim... só assim
recostados na cama a sentir o calor que se vai dissipando
sentindo o calor que vai aumentando
Não falamos porque há momentos em que as palavras são demais
limitamo-nos a respirar o ar que é o nosso
a partilhar os restos do que acabámos de partilhar
E ficamos assim
só assim...
A tua mão passa ao de leve no meu corpo
e eu deixo que o meu corpo seja teu por breves momentos
Não sou eu
Não és tu
Somos!
Porque ambos sabemos que no fundo
até nas mais selvagens carícias
tem que haver sempre partilha
e nós partilhamos a intimidade
É a cumplicidade que nos dá prazer
e por isso ficamos assim
só assim...
... os dois


Fotografia de Pascal Renoux
in http://www.pascalrenoux.com
(Todos os Direitos reservados)

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

...


Normalmente à minha mesa somos quatro...

... eu e três cadeiras vazias.


O Mundo que carregamos


Uma vez por outra todos nos sentimos como o Atlas
Castigado por Zeus foi punido e teve que carregar com o Mundo nos seus ombros
Todos nós temos o nosso próprio Mundo para carregar
Se baixamos os braços somos esmagados pelo seu peso
se o mantemos o cansaço acaba por nos assolar
Hoje também eu me sinto o Atlas
Apetecia-me baixar os braços
de mansinho e com muito cuidado pousar o Mundo ao lado
descansar os ombros
deixar o sangue fluir lentamente aos braços
e deixar-me ficar a descansar até ter forças para o carregar de novo!

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

...


Vem, vamos jantar os dois
Um jantarzinho especial
Convidamos mais alguém?
Não! Ficamos só nós!
Fazemos um prato especial e usamos o serviço de porcelana
limpo o pó num instantinho aos copos de cristal
Fazemos um jantar com pompa e circunstância
até vai parecer que somos gente fina
Tenho que me lembrar onde meti a toalha de mesa bordada
há tanto tempo que não a usamos... lembraste?
Usámos no nosso primeiro ano juntos e depois...
já nem me lembro porquê ficou de lado.
Se calhar dá tempo e passo pelo cabeleireiro antes
quem sabe dou um jeito às unhas...
começo a ficar com as mãos desgastadas pelo tempo
(dizem que onde uma mulher não consegue disfarçar a idade é nas mãos...
deveria cuidar melhor delas!!)
Faço o teu prato favorito... já tenho saudades de o fazer!
Vais gostar eu sei que sim!!!
Vem, vamos jantar os dois!
Pensando bem se calhar não é preciso tanta coisa
Usamos os pratos normais, afinal não é isso que conta
e a bem da verdade nunca gostei do conjunto de copos
A toalha já deve estar esburacada da traça e não me apetece andar à procura
Não vou passar pelo cabeleireiro, nunca gostei de lá ir
então para quê ir submeter-me à tortura antes de uma noite de prazer?
E as unhas ficam para outro dia... de qualquer maneira é tudo muito caro
Mas não vou dispensar o meu banho, deixar-me ficar a ouvir música, o meu tempo de relaxe.
E desculpa mas não vou cozinhar. É sexta, estamos os dois cansados, não queres antes comprar um franguinho? Nós adoramos!!
No caminho traz um vinho saboroso e fica a refeição perfeita!
No fundo nada disso é o mais importante!
O jantar é só um pretexto!

E há dias...

... em que quando acordo é com esta maravilha com que me deparo...



... e sabe tão bem!!


quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Brincando aos poetas...


Há a boa poesia
com os seus versos
e com as suas rimas

A boa para mim é corrida
não tem um formato certo
não se rege por simétricas aborrecidas
nem por dizer apenas o correcto

Fazer rimar por rimar
tira a liberdade do discurso
obriga-me sempre a pensar
no fim das palavras e não no seu conteúdo

Eu da poesia gosto de a ler
escrita por quem nasceu para isso
eu que quase nem sei escrever
nesta área não me arrisco

Se escrevesse poesia
sairia qualquer coisa assim:

Hoje assola-me a felicidade
de escrever apenas narrativa
não percebo esta minha incapacidade
para escrever poesia!

Folhas...


Perante a folha em branco não me ocorre nada para escrever
Por vezes acontece
Por vezes acontece o contrário
Gosto quando as palavras me inundam
quando escrevo sem saber o quê, com que finalidade ou para quem.
Acredito que escrevemos sempre para alguém
acredito haver sempre um destinatário
Só no fim, quando re-leio as vogais e consoantes
as reticências e os pontos,
só quando leio tudo seguido obtenho as respostas ao "o quê", "para quem", "com que finalidade".
Mas hoje não me ocorre nada para escrever!
Fica assim uma folha em branco
não fica, no entanto, vazia
mas sim cheia das mil e uma possibilidades do que poderia ter escrito
Não está completamente em branco
ficou apenas adiada a sua escrita!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

Certezas


De certeza???
Bom certeza, certeza... nunca a temos não é?
Não! Tens mesmo que ter a certeza! Tens a certeza absoluta?

Humm... eu tenho a certeza mas não vou meter as mãos no fogo...
Oh... então não tens a certeza!
Pois se calhar não... e então como fazemos? Desistimos?
Não! Vamos os dois! Eu acredito em ti!


Fotografia: Walking on Shadows by David J. Nightingale
(Todos os Direitos reservados)

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

Pedaços(2)...


Decidi não juntar os pontos que já não mais se podiam unir.
Continuei a olhar as paisagens que se atiravam violentamente contra os meus olhos como se de ondas se tratassem.
Os meus braços continuavam esticados e desta vez as mãos livres para agarrar o quer que fosse que se me apresentasse pela frente.
Os meus pensamentos eram os meus e divagavam ainda mais longe do que os caminhos por onde as minhas pernas me levavam.
Sem que eu percebesse como cai...
Olhei para trás para ver onde tinha tropeçado...
... e ali estava
Tropecei no meu próprio passado, o mesmo que eu julgava já distante e esquecido.
Voltei para trás e recolhi um a um todos os pedaços que se tinham dispersado.
Com uma habilidade e precisão inigualáveis colei tudo muito bem coladinho e agora...
... agora trago-os comigo, unidos como os consegui unir e apenas com uma certeza de que nestes pedaços não voltarei a tropeçar!
...
Podemos sempre deixar cair
Mas parte sempre de nós o voltar a colar!

Fotografia: Glass and Wire1 by David J. Nightingale
(Todos os Direitos reservados)

Pedaços...



Estava ali seguro, na minha mão, mas bem seguro mesmo! Nem muito apertado nem muito solto. A força com que o segurava era a exacta, a precisão digna de alguém que realmente percebe do assunto.
Não tirei engenharia, nem nunca fui muito hábil com as mãos, no entanto ali tudo batia certo. Eu segurava-o, ele estava seguro, e eu sorria como quem só tem um elevado grau de confiança sorri.
A felicidade era avassaladora e cheguei mesmo a dar asas à distracção para olhar para outras paisagens, para pensar em outros assuntos e mesmo para caminhar por outros caminhos.
De duas mãos em concha passei só para uma. Afinal o hábito e o tempo conseguem transformar uma tarefa à partida difícil em algo com que lidamos, diria até, com uma certa leviandade.
Estava feliz! Sentia-me completa!
Ao andar por outras paragens, ao ver outros olhares, ao deixar-me inundar por outros pensamentos, ao poder esticar o braço para outras verdades sentia-me livre e ao mesmo tempo confiante, porque ele estava ali seguro!
Sem que eu percebesse como caiu...
Agora tenho os pedaços dispersos à minha frente
sem saber como os colar
sem saber mesmo se ainda os quero unir!

Fotografia: Glass and wire by David J. Nightingale
(Todos os Direitos reservados)

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Chuva (2)


Uma das memórias mais recorrentes da minha infância prende-se com os dias de chuva.
Não sei porquê os dias de chuva dão-me uma sensação de liberdade incomensurável. Sempre que chove apetece-me sair à rua e andar debaixo das gotículas que começam a cair vagarosamente no início e que depois de terem ganho a coragem afirmam-se numa enorme tempestade!
Em criança esta vontade não era reprimida.
Estava na idade em que já podia ter a chave de casa (embora com a promessa solene de que não voltaria a sair depois de chegar das aulas) e em que ainda não haviam todos os meios de comunicação actuais para controlar as criancinhas!
Ou seja, na idade de 7, 8 anos a menina já tinha a sua chavinha para entrar e sair a seu belo proveito sem que a mãe soubesse de alguma coisa (sim porque as promessas têm essa peculiaridade... parece que são mesmo feitas para serem quebradas).
Por isso quando chovia eu começava inicialmente por ir até à varanda da minha casa e olhar para as lezírias verdejantes e a pensar se iria ou não sair... era escusado esperar muito tempo. No fundo eu já o sabia, mas ao mesmo tempo gostava daquele espaço de impasse em que fingia ainda estar a decidir se a promessa iria ser quebrada ou mantida.
Assim que os primeiros odores a terra molhada chegavam às minhas narinas a decisão ficava logo tomada! De chave na mão lá ia eu a andar sem destino e a deixar que a água me inundasse o corpo (na esperança de me conseguir afogar enquanto andava).
A sensação era de que todas as marcas indesejadas do meu corpo desapareciam se bem que apenas momentaneamente.
A sensação de orgulho era, também ela, enorme! As restantes pessoas passavam por mim presas a artefactos com varas e pano das mais variadas cores e eu, apenas uma criança, tinha a liberdade (e quase rebeldia diria mesmo) de caminhar (sob os seus olhares atónitos) completamente molhada, a sentir a chuva a cair-me pelo rosto e com um sorriso de uma ingenuidade da qual hoje sinto saudades!

Chuva...


O céu está cinzento carregado (será que essa cor existe?)
bom existe obviamente... mas será esta a definição?
Não quero definir...
O céu está cinzento carregado
no fundo anseio pela chuva que ainda pode vir a cair!
Mas só logo à noite se puder ser
(detesto andar de chapéu de chuva atrás, nunca sei o que hei-de fazer com ele quando está fechado...)
Gosto de saber que chove lá fora quando estou lá dentro
Camomila... se calhar vou fazer um chá de camomila na chávena de chá gigante que a minha mãe me ofereceu
puxo da mantinha e enrolo-a à volta dos pés e fico assim quietinha só a ouvir a chuva a cair
Entretanto podes ir-me massajando as costas
em troca deixo-te bebericar do meu chá
...
Se não chover logo à noite vai ser uma enorme decepção!


Fotografia: Hard Rain by Gilad
(Todos os Direitos reservados)

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Bagagem...


Em cada passo que dou segue-me toda a minha vida
É assim com todos nós
E o tamanho dos passos é sempre influenciado pela bagagem que trazemos às costas
Em cada passinho que tento dar ao de leve
vêm conjuntamente os barulhos de todas as pessoas, de todas as amizades
das palavras e das acções
das soluções que optámos
das decisões que tomámos
Tento andar ao de leve
não quero fazer barulho
passar despercebida
Mas nem sempre o consigo
e essa incapacidade é mais um peso a suportar
Há dias em que arrasto os pés com tanto peso
Há dias em que me arrasto com pesar
Há dias em que não me apetece voltar mais andar
Nesses dias paro!
Tiro das costas a mochila e vou retirando um a um os pesos das memórias
vou sorrindo para umas
choro com outras
outras já nem mais as reconheço
Devagarinho vou arrumando tudo de volta
e a bagagem que um dia me fez parar
é exactamente a mesma que me faz voltar a andar!

Fotografia: Telegraph shunt by Miskin83
(Todos os Direitos reservados)

O mínimo de exigência... a máxima compensação!


Sei que não pedes muito
nem pedes sequer o que dás
Limitas-te a estar ali ao meu lado
segues-me os passos como se fosses a minha sombra
teimas em fazer com que tropece em ti
Se estou de mau humor, cansada ou doente não te ligo
tu vens aninhar-te ao pé de mim como se fosses um gato
e olhas-me nos olhos à espera que eu repare em ti
Sei que não pedes muito
nisso somos muito parecidos
uma festinha, um miminho, um abraço, um passo de dança
Já sabes que não sou muito de passeios
e se saímos os dois apresso-te no meu egoísmo para voltarmos para casa
Se me vou deitar vens-te deitar comigo
não porque te apeteça
não porque tenhas sono
mas só para estares comigo.
Apercebes-te daqueles pequenos nadas que fazem a diferença
e se eu estou a comer não metes conversa
quando vou à casa-de-banho de manhã esperas que eu saia
E mesmo não pedindo nada consegues dar tanto
Doi-me a alma quando estou a ler e tu te metes à frente do meu livro
estás a pedir a minha atenção eu sei
Parte-se-me o coração quando estou a chorar e tu vens enxugar-me as lágrimas
não dizes nada... encostas-te a mim e ali ficas
parece que sabes o que me vai na alma e as nódoas negras que a vida vai-me inculcando no corpo
Não pedes nada e estás sempre ali
simplesmente à espera de mim...

Cansaço...



"Não te sentes cansado?"
No balcão do bar ao fim do dia, de volta de uma bebida, há anos que ali se encontram. Nunca combinaram, simplesmente aparecem... à mesma hora de todos os dias que teimam em ser iguais!
"Cansado como?"
É naquele balcão de madeira com as marcas já visíveis das vidas que por lá passam e se desgastam que as confidências surgem... estas são ali desmontadas como se de carros se tratassem. Com a mesma simplicidade e a mesma lógica apenas acarretando o peso que têm.
"Opá, cansado! Ás vezes parece que andei uma vida inteira à luta com a vida. Estou cansado! Não sentes isso?"
As conversas são feitas com os olhos postos no expositor de vidro que se apresenta à frente. Sentados lado a lado os olhos não se cruzam. Ficam apenas a ver o desfilar das garrafas que estão reservados para o consumo da casa e a dizer o que lhes vai no corpo... pois não acreditam que exista alma!
"Ahh... olha não sei se é bem a mesma coisa, mas a sensação que eu tenho é que ando cansado de andar com este esqueleto atrás. Um cansaço desmesurado... olha, não sei explicar!"
Os dedos vão percorrendo calmamente o copo que se encontra estático à frente. Com eles as gotas vão-se adensando e na base fica uma leve lagoa que volta não volta transborda...
"Pois deve ser isso... olha, é a vida!"
"Pois é!"
Não vale a pena adiantar mais no assunto!
Esta é a sua forma mais intimista, o máximo onde querem ir.

Encolhem os ombros e limitam-se a olhar para as garrafas que continuam a desfilar à sua frente.
Olham-nas como se fosse a primeira vez... e desta forma as olham todos os dias.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Laços...


Não!
Não, não há cores definidas assim como não há rumos previamente demarcados!
Ela abanou a cabeça como quem não quer deixar as palavras entrar
rodou nos calcanhares e afastou-se silenciosamente
"Só tentei ajudar-te!"
"Juro que ainda tentei agarrar-te"
Ela nada ouviu.
Ali estavam as duas a olharem-se sem se verem
a falarem sem se ouvirem
No fundo uma e outra não passavam da mesma
"Se não chorares não te posso limpar as lágrimas"
"Se te esconderes não te vou conseguir encontrar"
"Se te calares nunca te conseguirei ouvir"
Abanou a cabeça
não para evitar as palavras de entrarem mas porque as ouviu
Abanou a cabeça porque ouviu as palavras e não concordou com elas
Não me ando a esconder, não ando calada e sim... as lágrimas teimam em escorrer-me pelo rosto
És tu quem não me ouves, és tu quem não me procuras, és tu que não esticas o braço em direcção ao meu rosto molhado
Ela encolheu os ombros
Ouviu aquelas palavras vincadas de acusações e preferia nunca as ter escutado
limitou-se a dizer "eu não adivinho sabes?"
rodou os calcanhares e afastou-se
rodou-os novamente e aproximou-se
"Não tenho nada para dizer! Não quero acusar nem ser acusada!
Vamo-nos sentar e deixarmo-nos estar aqui, pode ser?
Se as lágrimas vierem são bem vindas
se as palavras brotarem lidaremos com elas
se ficarmos apenas em silêncio não faz mal!
Há coisas que ainda não encontraram as palavras certas para serem ditas!"

Fotografia: Spiritual_3 by Mehmeturgut
(Todos os Direitos reservados)